terça-feira, 18 de março de 2008

ASSISTÊNCIA À SAÚDE MENTAL ESTÁ NA UTI

Os transtornos mentais serão a maior crise mundial do século XXI. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) a cada quatro pessoas, uma precisará em algum momento da vida de atendimento psiquiátrico. Nos Estados Unidos cerca de 40% da população pode ser acometida por esse tipo de problema, no Brasil a taxa é de 20%, desses, 3% tem complicações graves. Deficiências como a falta de medicamentos, profissionais e leitos psiquiátricos suficientes para uma melhor assistência à saúde mental em Salvador demonstram que o poder público não está preparado para atender dignamente as pessoas que apresentarem algum tipo de doença psíquica. Relatos de médicos da área de psiquiatria confirmam que a assistência à saúde mental está deficitária. “Do ano de 2002 à 2006 houve um crescimento significativo nos serviços de atendimento, já em 2007 ficou marcado pela estagnação de ações onde foram identificados muitos grotões de desassistência”, avalia o presidente da Associação Psiquiátrica da Bahia, Bernardo Assis Filho. A falta de vínculo empregatício estável e conseqüentemente insatisfação do profissional e a descontinuidade no fornecimento de medicamentos são fatores que contribuem para o estado delicado enfrentado tanto pelos pacientes com transtornos psíquicos, quanto pelos familiares que acompanham o dilema. A deficiência no atendimento psiquiátrico classificou a Bahia, segundo Bernardo Assis, como o terceiro Estado com pior relação entre psiquiatra e população do país. Assis ainda informou que uma simples marcação de consulta com um médico psiquiatra no interior, geralmente leva quatro meses para ser efetuada. Enquanto esperam, o paciente não pode apresentar nenhum quadro crítico, pois a alternativa encontrada pela família é de levar à emergência. E esse atendimento, ainda de acordo com o presidente, é realizado por qualquer outro médico, pode ser um cardiologista, clínico geral ou ginecologista que prescrevem um calmante a fim de aliviar momentaneamente a crise do paciente. “Enquanto a consulta com o especialista não acontece, a alternativa encontrada é sempre essa de procurar um atendimento emergencial. O problema é que essas drogas tornam o paciente dependente em apenas dois meses. A falta de assistência do Estado tem contribuído para a criação de uma massa residual muito grande de farmacodependentes (dependentes de drogas lícitas) o que levaria à formação de uma sociedade narcotizada”, sentenciou. (por Maria Rocha)
Extinção dos manicômios
Conforme a lei 10.216 de 2001 que dispõe sobre a extinção progressiva dos manicômios e sua substituição por outros recursos assistenciais, é de competência do Governo criar suporte para que a lei seja executada. Na Bahia, a situação se agravou há três anos, quando dois sanatórios privados conveniados com o SUS fecharam as portas. O objetivo da lei seria acabar com a superlotação nos hospitais, que muitas vezes mantinham internos que poderiam ser cuidados em casa. Fechado os sanatórios Ana Nery e o São Paulo, dezenas de internos tiveram de retornar para casa, outros para as ruas e mais outras dezenas sem referência familiar e egressos dos sanatórios, foram internados em Residências Terapêuticas que segundo o Ministério Público, hoje funcionam cerca de seis. Para a promotora, Silvana Almeida a lei tem como principal objetivo acabar com a comercialização de doente mental e incluí-los na sociedade. “Acontece que a lei foi ignorada porque implica em custos, pois terão de ampliar a rede de atendimento ambulatorial. Criaram os Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) que não funcionam como deveriam. O Estado não dá suporte adequado, se houvesse um serviço decente, haveria menos sofrimento”, ressaltou. A promotora declarou que o Estado se comprometeu em abrir leitos psiquiátricos em hospitais gerais e não cumpriu, assim como o município ficou com a tarefa de criar CAPs e também não concretizou dentro do prazo determinado. “O fato é que o povo está abandonado em relação à prestação de atendimento à pessoa com transtorno mental”, disse. Por conta da deficiência no atendimento psiquiátrico o Ministério Público está programando para o próximo mês uma audiência pública onde deverão discutir o descumprimento de um TAC (Termo de Ajustamento de Conduta) assinado há três anos para exigir do poder público providências. Em nota, a Secretaria de Saúde do Estado publicou dados que não condizem com a realidade, pelo menos com os relatos expostos pelos médicos. Eles informaram através da assessoria que a Bahia conta com a cobertura de 119 CAPs sendo 12 em Salvador e destes 4 estão sob gestão estadual; 17 Residências Terapêuticas implantadas, sendo 5 em Salvador. Quanto aos hospitais, eles informaram que em todo o estado constam 1.169 leitos, sendo 440 em Salvador. (por Maria Rocha)
Juliano Moreira com 90% de ocupação
De acordo com o diretor geral do Hospital Juliano Moreira, André Furtado, a instituição, que tem 200 leitos e está com 90% de ocupação, enfrenta constantemente uma sobrecarga de pacientes oriundos não apenas da capital como também do interior. “Não tem enfermaria de leito psiquiátrico nos hospitais gerais, mas está previsto na lei 10.216/2001. Em Salvador não existem CAPs suficientes, pela lei está tudo muito perfeito falta mecanismos para executá-la”, pontuou. Conforme a coordenadora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde do Município, Célia Rocha, constam oito CAPs na Rede Municipal, são eles: Itapagipe, Boca do Rio, Pernambués, Jardim Baiano, Brotas, 2 no Rio Vermelho e um em Itapuã. Nos próximos dias estará em funcionamento mais um, no Alto de Coutos. Ela admite que os 13 CAPs previstos para serem implantados não serão suficientes para a demanda da cidade. Célia confirmou ainda que a proposta é de implantar 21 unidades, além de concordar com a morosidade de concretização do acordo. Ela atribuiu a demora à dificuldade de encontrar imóvel na cidade adequado para a instalação do serviço. “Não é o ideal, lógico que não atingimos ainda, mas eu acho que conseguimos avançar”. Serão contemplados ainda os bairros da Liberdade, Cajazeiras e São Caetano. Como foi citado anteriormente sobre a falta de profissionais que estão desestimulados para atuarem nos atendimentos psiquiátricos. Muitos deles inconformados com o atraso no pagamento de salário e com o tipo de contrato assinado com uma empresa terceirizada, fizeram paralisação semana passada deixando ativos apenas 30% do quadro de funcionários. Populares afirmaram que as Centrais já não funcionam bem e com a paralisação o problema se agravou. Enquanto não surge uma luz no fim do túnel, a população é penalizada pela falta de assistência. Num condomínio localizado no bairro do Cabula, a professora Eliana de Azevedo, 54 anos diz que ter como vizinho alguém com transtornos psíquicos é realmente uma tarefa árdua. “É uma dificuldade que não sei nem como avaliar, não posso nem abrir a janela do meu apartamento porque ela fica do outro lado com uma máquina fotográfica simulando tirar fotos. Tenho um filho adulto e ela já alegou que foi agredida por ele. Vendi meu apartamento porque a situação estava insustentável”. A professora aposentada declarou que nem o porteiro do prédio tem sossego, pois a vizinha que apresentou inicialmente um quadro de depressão e foi se agravado com o tempo, passou a ter crises constantemente e agora transformou toda a rotina da vizinhança. “A Defensoria e o Ministério Público já estão cientes do caso, mas nada foi feito”, disse. Abandonada pelo marido e morando com a única filha a vizinha da professora não dorme e não toma os remédios. “O síndico não tem mais para quem apelar. Ela passa a noite inteira abrindo o portão eletrônico e o porteiro fechando. São 36 apartamentos e todos os condôminos são obrigados a conviver com esse problema”. De acordo com a reforma psiquiátrica o internamento do paciente só deverá ocorrer em último caso, quando todos as alternativas de tratamentos ambulatoriais forem esgotadas. A prioridade por um tratamento humanizado em casa e com idas freqüentes dependendo de cada caso aos CAPs, foi criado para minimizar o caos instalado no sistema psiquiátrico público. Mas pela ineficiência como foi dita por especialistas, as famílias num momento de desespero apelam para atitudes violentas mantendo muitas vezes esses pacientes, num momento de crise aguda, em cárcere privado e justificam o ato como uma proteção.O caso do jovem de 22 anos José Mário Oliveira que ficava acorrentado ao pé da cama trouxe à tona a discussão, psiquiatras afirmam que o sistema é falho devido a inexistência de mecanismos que não dão suporte a execução da lei. Para o psicanalista e educador Antônio Pedreira, os métodos de confinamento estão sendo trocados no mundo inteiro por tratamento ambulatorial em casa com o apoio da família. “Quando a pessoa tem a infelicidade de ter na família alguém com transtorno mental, primeiro ele tem de assumir o problema e arcar com ônus, antes deixavam o problema para terceiros e pagavam pelo isolamento da pessoa e muitos ficavam como se fosse num “depósito humano”. Lá eles tinha castigos como eletro-choques, o que o paciente com transtorno mental precisa é de unidades que o recebam apenas em momentos de crise aguda, mas passado essa fase ele retorne para casa. (por Maria Rocha)

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