domingo, 4 de maio de 2008

JORNALISMO BAIANO, AMEAÇAS E DIREITOS HUMANOS.



JORNALISMO BAIANO, AMEAÇAS E DIREITOS HUMANOS.

Vera Mattos*

Uma dos aspectos mais importantes para quem sofre ameaças de morte é saber o quanto pode ou não vir a ser apoiado pela família, amigos e sociedade.

Não importa as razões de ameaças que pesam sobre qualquer pessoa. O que importa é como a sociedade reage a isto.

E tenho visto de perto esta realidade. Existe o direito inalienável de viver, de lutar pela vida. E quando uma pessoa consciente, séria, serena, profissional, abre a boca e diz “estou sofrendo ameaças” o que pode se esperar da imprensa? No mínimo o desejo de realizar um bom jornalismo investigativo.

E não interessa quem é a provável vítima. Está diante de pelo menos uma sugestão de pauta. Ou uma pauta viva.

Ocorre que a banalização da morte é tão grande que morrendo mais um não há qualquer problema. Vende-se bem mais a cultura da morte do que a cultura da vida.

Infelizmente, tenho sentido isto na imprensa baiana.

Quando eu mesma informei da minha situação de mulher ameaçada eu tive duas sensações: ou a indiferença tomou conta dos colegas baianos ou sou alguém odiado ou esquecido nos armários da mídia como arquivo morto.

Mas quando Kardé Mourão e Suzana Varjão tomaram a iniciativa de colocar a questão em evidência pedindo para que os colegas tomassem a iniciativa de ajudar, aí vi sim que a imprensa baiana tem mesmo que cuidar-se para aprender a revalorizar a vida.

Não, não lamento por mim. Lamento por todos que estando em situação de ameaça e que não desperta na imprensa local qualquer tipo de interesse. Nenhum repórter, editor, nem mesmo de segurança se interessou pelo caso. Nem mesmo aqueles que se encontram entre os meus amigos e que ocupam funções importantes em seus veículos.


Há mais de vinte anos atuando como jornalista, e em grande parte fora de Salvador, fico impressionada do fato de que seja necessário recorrer-se a lembranças para agir.

Ou seja, não sabem quem é Vera Mattos. Não sabem de onde apareceu esta mulher, para que agora tomem partido por ela ou que pelo menos busquem saber do que se trata. Será que sou vítima incluída na Maria da Penha? Será um destes golpes que acontecem com todos de telefonemas que saem dos presídios? Será que ela quer aparecer?

Quando se tem uma carreira pautada na seriedade e se alcança com esta carreira várias instâncias proveitosas para uma categoria, não importa se aqui em Salvador ou onde o vento faz a curva, no mínimo merece-se consideração e atenção.

Porque qualquer um poderá vir a dizer a mesma frase no futuro e ninguém poderá vir a dar eco.

A razão é o desconhecimento dos direitos humanos. A razão é a banalização da vida.

Faz-se urgente uma discussão séria sobre o tema para profissionais de imprensa.

Não apenas saber dos direitos humanos e sim da sua prática.

Como já disse minha história não é simples e vai para uma projeção mais complexa já envolvendo delegados, promotores e juízes. Mas não há razão para contar pois não existe em Salvador qualquer jornalista interessado. Nem veículo de comunicação interessado.

Quem falou em mágoas? Pensou em mágoas? Não tenho nenhuma. Busco sempre algo positivo, mesmo em situações como esta, em que sou a vítima permanente de torturas psicológicas e ameaças reais que já trazem prejuízos para os membros da minha família.

Tenho no jornalismo uma bela caminhada. Repórter e editora de jornais como Tribuna da Bahia, Jornal da Bahia, A Tarde e de emissoras de rádio e tv o que me faz também radialista. Enquanto em Salvador de Anísio Félix a Raimundo Lima procurando fazer a minha parte no Sindicato.

E estou ao dispor da Kardé Mourão a quem tive a honra de convidar para o Ciclo de Mídia e Saúde Pública no Brasil e a partir dali iniciar uma amizade.

Sempre fui daquelas que enfrentava tempestades para conseguir uma boa reportagem. E foram páginas inteiras publicadas, e matérias de televisão muito bem sucedidas.

Aliás por ser tão bem sucedida em Salvador é que fui convocada a exercer a profissão no Distrito Federal e em outros Estados.

Então, mesmo tendo sido tão poucas as manifestações de solidariedade, me honra o fato de Kardé Mourão como mulher e presidente do Sinjorba haver realizado a parte que lhe cabia; de Suzana Varjão do Estado de Paz se manifestar de maneira tão preocupada e gentil.

Agradecer a Ana Alakja , Carlos Ribeiro e Sérgio Mattos. A apreensão de Jolivaldo Freitas ao tomar conhecimento após sua chegada.

Não se trata de ameaças a Vera Mattos mas sim a alguém da mesma profissão. Mais que isto: ameaça a vida.

E fica o meu apelo como Conselheira em Direitos Humanos: que se ofereça a categoria uma jornada,um curso, para que haja uma sensibilização.

Do contrário teremos pela frente um jornalismo de registros de chacinas e extermínios. A visão será do “presunto” como algo comum. A notoriedade ficará por conta dos fatos que ocorrem em outros locais, das vitimas com as quais jamais nos envolvemos.

Aprendi muito na Bahia . Atuando desde o primeiro dia do curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia e, mesmo antes, quando já exercia o meu papel político como secundarista em plena ditadura.

Continuo sofrendo ameaças. Poderão dizer: “ se tivessem que fazer,já teriam feito”.

E eu digo: a tortura psicológica é grave. Manter a pessoa sob tortura é crime grave.

Enquanto viva, sigo lutando pelas causas que abracei. As frentes são muitas e exigem bastante, sempre incomodando o poder estabelecido.


Certamente, se continuarmos agindo assim, assinaremos petições on line pedindo proteção para pessoas em outros continentes mas não ouviremos o grito de socorro de nossos vizinhos.



Mas eu continuo com sangue de repórter, coração de repórter. Eterna aprendiz.


*Jornalista/Radialista

7 comentários:

  1. Tendemos a crer que o perigo sempre existe mas que está sempre longe de nós. Grande erro. Sofri tempos atrás uma ameaça e desde então entendo perfeitamente o que é se sentir ameaçado. Tomei as providências legais e não adiantou nada, quase fui gozado pelas autoridades policiais. Para minha "sorte" o ameaçador morreu logo após de morte natural. Que o diabo o tenha.

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  2. Libertas!
    Se és assim a encaro de frente e com o resto de minhas forças!

    A indignação pelo silêncio da sociedade, pelo descaso de autoridades de Segurança e Justiça aos apelos e denúncias efetuadas por cidadãos ferem mais que rajadas de metralhadoras.

    Como podem viver sabendo que outra pode morrer ou tenta sobreviver no meio do medo, da desqualificação, na intimidação, sob ameaças?

    E jornalistas ? Quantos já caíram por nós? Dizem alguns:É o risco da profissão!
    Não meus amigos, é o valor da coragem, da cidadania, do respeito pelo direito do ser humano que os fazem prosseguir.

    Vejo rostos mas não humanidade.
    Escuto sons, mas não vozes solidárias, pulsantes na proteção de vidas!

    Tenho horror a minha pátria, disse Rimbaud

    O silêncio é reacionário, disse Sartre

    Queria dizer algo diferente agora, mas infelizmente constato a regressão moral e cívica de nosso povo~e autoridades e só nos resta nos entregar aos leões!

    Ana Maria Bruni

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  3. Vera,
    Não entendo bem. Qual é o motivo de torturas piscológicas?
    Quem são essas pessoas que estão ameaçando você?
    Tem como comprovar a violência que está sofrendo com essas ameaças? Por
    favor faça um relato, das ocorrencias, para que possamos
    encaminhar à SPM-Secretaria Especial de Política para as mulheres.
    O principal eixo do I e do II Plano Nacional de Política para as
    Mulheres,
    aprovado pelo governo brasileiro é voltado para o exatamente para o
    exterminio da violência contra as mulheres brasileiras.
    Assim sendo, não justifica que isso esteja ocorrendo num Estado
    tão importante e culto como a Bahia, com uma jornalista que já ocupou
    tantos postos de trabalho na mídia local, conforme seu relato abaixo.
    Por favor, faça um dossiê sobre os fatos que, estaremos encaminhando
    para Ministra Nilcéa. Certamente você receberá alguma instrução ou
    ajuda.

    Abs,
    Jeanete Mazzieiro - Secretária Executiva do Capítulo Brasil.
    Jeanete

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  4. O Centro de Mídia Independente tem sido um grande parceiro em todas as denúncias feitas pela companheira Vera Mattos cujo sofrimento já é indescritivel. Lamentamos profundamente a forma pela qual o assunto é banalizado na Bahia. Aliás, estamos sentindo falta do governador Jacques Wagner que parece alheio a todo este processo. Vale lembrar também a comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa.
    Esta profissional a nosso ver sob
    nossa ótica teve um erro enorme: voltar para a Bahia após ter reconhecimento nacional destacando-se em grandes coberturas inclusive agonia e morte de Tancredo Neves.
    É lamentável a atitude baiana.

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  5. Dentre a esperança, pessimismos válidos e otimismos natos, caminhamos impelidos em alcançar nos outros Homens e Mulheres o que está em nosso ser: Justiça, solidariedade, verdade, honestidade, integridade, ética.

    Buscamos desesperadamente estes valores para não sucumbirmos em vida na mediocridade e na vilania.

    Neste país com tantas histórias de valorosos e valorosas, não podemos admitir que poucos que não respeitam valores humanos, nos façam perder estes combatentes

    Ana Maria Bruni

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  6. Hoje escutei estas palavras de um homem que tem sua família ameaçada:

    Ana Maria se tivessem te escutado há 2 anos eu e muitos não teríamos passado por tanto sofrimento.

    Pois é...

    Atenção estes que devem escutar nossas denúncias, nossos apelos!

    A Justiça sempre falou mais alto e é a ela a quem o povo reverencia: Justiça! Não se apeguem a prazos, não se esquivem com parágrafos de leis.Lembrem-se que somos seres humanos.

    Possuem o poder voces a quem demos o poder! Usem dele para nos proteger, para nos darem paz!

    Ana Maria Bruni

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  7. Recebido de Bel Barreto para transmitir a Vera Mattos

    Resposta do Dep.Iran Barbosa PT/Se para Vera Matos

    Só para mantê-la informada e para que você possa acompanhar alguns
    desdobramentos quanto à situação da Vera, devo dizer que já entramos em contato com a Secretaria de Direitos Humanos da República e com a Secretaria de Direitos Humanos da Bahia, falando diretamente com a Superintendente em exercício. Já entramos em contato, também, com a Superintendente de Direitos Humanos da Secretaria de Justiça,
    Cidadania e Direitos Humanos da Bahia, Sra. Katia Carvalho, e em
    especial com a sua Assessora Jurídica, a Dra. Fabiana Matos, e todas se colocaram à disposição para encaminhar as denúncias à Assembléia Legislativa da Bahia e também colocar o assunto na pauta do órgão.
    Ana Maria Bruni

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