quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

Entrevista: Tuzé de Abreu conversa com Riachão.


Entrevista

Tuzé de Abreu conversa com Riachão
Foto - Sora Maia


Tuzé de Abreu – Como surgiu esse apelido?
Riachão – Antigamente os homens eram mais sisudos, valentes e eu quando criança prestava atenção no jeito do meu pai, meus tios, e os amigos deles, carroceiros e capoeiristas. Fiquei com essa mania de ser valente, coisa de criança. Hoje eu me sinto até triste por isso. Hoje o meu caso é só paz e amor. Com 15 anos eu já estava na cadeia. Ia matando um camarada. Mas meu padrinho, que mora aqui no Garcia, soube e mandou me tirar. Mas eu sempre respeitava os mais velhos. As vezes eu estava jogando bola, e quando uma pessoa mais velha ia passando pela rua eu mandava parar a bola. Toda vida eu fui assim e quando um menino saía da linha, o couro comia. Quando os pais vinham separar a briga iam logo dizendo “não se mete com esse menino ele é um riachão”. Isto já vem dos mais velhos, agora o porquê disso, eu não sei.
Eu adorava olhar Lampião nas revistas, só porque ele era valente. E assim eu abracei esse nome e fiquei. Mas hoje eu preferia abraçar esse apelido por uma causa mais ecológica.

TA – Você começou a cantar com esse nome? E como surgiu a dupla Riachinho?
R – Eu cantava nos programas matutinos nas rádios. Aí apareceu um parceiro e por causa do meu nome se batizou de Riachinho, que hoje está em São Paulo, mas ninguém sabe se ainda está vivo.
Eu cantava as músicas e era louco pelo jeito sertanejo. E como gostava de fazer dueto, comecei a ensinar os companheiros a fazer a primeira voz e eu a segunda. E assim tive vários parceiros. Surgiram Violinha, João Rancheiro, entre tantos outros até Antônio Maria, que acabou com esse negócio de toada, porque os companheiros não estavam dando certo. O motivo foi a cachaça. Muitos não apareciam para tocar porque estavam embriagados e aí Antônio Maria me sugeriu ficar sozinho.
Depois veio Sabiá que ficou comigo até a época em que os programas de rádio foram acabando. A Rádio Sociedade que distraía a Bahia acabou. Depois a Rádio Cultura e a Exelsior também suspenderam os programas. Foi uma tristeza só.

TA – Eu conheci você na Festa da Mocidade. Eu era menino, e fazia parte do meu repertório a música da Baleia e eu só conhecia você do rádio. Você esperava este sucesso com essa música?
R – Foi o que mais me emocionou na vida. Eu me lembro uma vez na Rádio Sociedade quando eu faltei a dois programas. No primeiro, muitas mães levaram as crianças para conhecer o homem do umbigão da baleia. E olha que eu não tinha nem gravado essa música. É que minhas canções faziam sucesso sem serem gravadas. Só que todo mundo saiu decepcionado porque eu não apareci. No segundo programa, lá estavam as mães novamente com as crianças e eu não apareci. Outra decepção. Na terceira vez, a criançada e os pais ficaram do lado de fora da Rádio, e aí quando eu cheguei com minha toalha pendurada no pescoço, foi aquela confusão. Eu comecei a beijar aquelas crianças, as mães dizendo que elas queriam conhecer o homem do umbigão da baleia. E aí eu me emocionei, principalmente por causa das crianças.

TA – Como é essa história do umbigão da baleia?
R – Foi a primeira vez que entrou uma carreta na Bahia. Um americano trouxe uma baleia para fazer exposição em Salvador. Na hora que eu saía do rádio, com meus dois amigos, Roque Brito e Newton para tomar cachaça na Ajuda, como fazíamos sempre ao meio-dia, fomos surpreendidos quando saltamos na Praça da Sé. Uma multidão se aglomerava, e ficamos sabendo que se tratava de uma baleia. Aí falamos para o soldado que estava na porta, que éramos da imprensa, do Diários Associados. Quando chegamos e eu comecei a olhar aquele mundo de caminhão e um mundo de peixe em cima do caminhão escorrendo aquele óleo, não deu outra, Jesus meu grande amigo já foi mandando samba. Eu olhando a baleia e o samba chegando, e daqui a pouco Jesus botou o samba pronto no meu juízo, e eu virei para os dois colegas e disse: – Olha chegou um samba agora aqui para a baleia – e quando eu cantei eles acharam uma maravilha. Criamos coragem e fomos falar com americano, que tinha mais de um metro e oitenta, e eu disse assim: – Olha samba para baleia. Aí eu cheguei junto dele e cantei. “Olha eu fui para cidade despreocupado. Quando cheguei na Sé vi um povoado. Menino, minha gente, fiz um perguntado. Responderam que era a baleia que tinha chegado. Eu vi o caminhão da baleia. Eu vi o cabeção da baleia. Eu vi o barrigão da baleia. Eu vi o umbigão da baleia. Eu vi o rabão da baleia. Só não vi uma coisa da baleia”. O americano gostou e acertamos para fazer a gravação.
Comprei o acetato para fazer a gravação. Gravei na rádio junto com Américo, Cacau, João da Matança e ganhei cinco mil réis. Era muito dinheiro. Fomos para Ajuda tomar cachaça. Foi um grande momento.

TA – Onde funcionava a Rádio nesse tempo?
R – Na rua Carlos Gomes, mas quando eu entrei na Rádio, em 44, ela funcionava no Campo Grande, atrás do Passeio Público, com o grande diretor Mota Neto, que foi para São Paulo.

TA – Você foi indicado por quem?
R – Eu fui sozinho, com meus companheiros fazer um teste, e me lembro que cantei Linda Morena e ele não acreditou que eu fosse baiano. Ele disse que correu a Bahia toda e não encontrou ninguém igual a mim, que cantasse músicas sertanejas como eu. Ele ficou encantado comigo quando cantei Linda Morena, aquele dueto lindo. Ele se encantou e me contratou na hora.






Foto - Sora Maia


TA – E essa história da toalha, como surgiu?
R – Eu sempre gostei da toalha por causa da capoeira. Os homens valentes usavam toalha e lenço no pescoço. Até no Rio de Janeiro, os malandros valentes sempre gostavam de lenço no pescoço. Não sei se você se lembra tem até um sambinha que fala sobre o lenço no pescoço. Eu cantava muita música do Rio de Janeiro, algumas de Augusto Calheiro. Me lembro quando conheci ele. Ele veio a Salvador cantar no Jandaia e eu fui convidado também.

TA – Você nasceu em que ano?
R – Dia 14 de novembro de 1921. Estou fazendo 83 anos. Eu me lembro que toquei com você num 14 de novembro. No Teatro da Casa do Comércio. Depois fomos para Jequié, Ilhéus – Eu gosto muito de você, Tuzé, você é uma maravilha. Você me trás alegria.

TA – Riachão falando sobre o enterro de Batatinha.
Quando íamos levando ele para sepultura, decidi homenageá-lo cantando esse samba. “Meu dia vem aí eu vou seguir para o mesmo lugar. Meu amigo já se foi. Eu me lembro que nós dois só vivia a cantar. Quando eu morrer quero muitas flores, quero muitas luzes, clareando a mim. Quando eu morrer que forem me levando, quero o meu povo cantando anunciando o meu fim”.

TA – Qual foi o primeiro modelo, que te inspirou para começar a fazer este trabalho maravilhoso que você faz?
R – Amigo, eu tenho uma coisa para te responder. Eu não tive escola. Sempre fui um menino alegre. Segundo minha avó, parteira, quando eu nasci, eu não sei o que ela viu em mim. Ela disse para minha mãe: “Maria, esse menino vai ser um caso sério, vai pintar o sete”. Eu não tive influência forte. Foi tudo nascido de dentro de mim. Ouvia muita vitrola com os cantores do Rio de Janeiro. Eu me recordo que é de minha natureza. Eu já nasci com isso.

TA – O que você escuta em casa?
R – Dou valor a todos os artistas. Gosto do samba, mas ouço todos, inclusive eu botava muita música de Vicente Celestino. Eu ficava encantado com o tango que ele cantava. Gosto de ouvir também os grandes sambistas: Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Jackson do Pandeiro.

TA – Você esteve em Cuba para o lançamento do filme Samba Riachão. Qual foi a impressão que você teve daquele País?
R – Foi um prêmio que meu pai celestial me deu, conhecer Cuba. A única tristeza que trouxe foi não ter tido prazer de apertar a mão de Fidel Castro, porque no dia que ele chegou, nós já estávamos de malas prontas para voltar ao Brasil, e não dava tempo. Mas que meu coração está dentro de Cuba e Cuba está dentro do meu coração está, porque ali eu vi um pedaço da minha Bahia. Aquele povo é alegre como o baiano. Então eu me senti a vontade, mesmo sem falar a mesma língua, cantei em feiras, sorri e eles sorriam também. Cantei até uma música; Da Bahia para São Paulo. De São Paulo, Panamá. Do Panamá viajei para Cuba, encontrei uma viúva, quase que eu fico lá. A cubana é bacana, educada, bonitinha. Falou mais alto a saudade. É crueldade eu esquecer de minha Dalvinha...

TA – Além da forte ligação com a música, principalmente com o samba, você tem ligação com alguma outra arte?
R – Eu admiro todas as artes, só que eu não tenho tempo. Minha vida é na roça, quando tem a luz do sol. E a noite, estou descansando. No tempo passado, quando era mais jovem, eu estava sambando. Não tinha tempo de ir a um teatro, cinema, nada, porque minha vida era a lua, cavaquinho e violão, até o dia raiar.

TA – Eu gostaria que você falasse dessa roça.
R – Desde criança minha vida foi aqui nesse quintal, nesse terreno onde estamos agora, no bairro do Garcia, onde meu pai costumava plantar banana, quiabo, jiló, aipim, e eu desde criança junto com ele. Deus levou ele, e eu fiquei fazendo o que aprendi com ele. Pego na enxada e me lembro do meu pai. Minha vida hoje é dentro dessa roça. Por isso na década de 40 eu abri o rádio cantando música sertaneja.
“Oi minha linda morena eu tenho pena de te deixar. Tu é minha companheira eu não posso desprezar. Se algum dia eu ir para pra riba linda morena, vou te levar. Quando chegar lá vou arranjar onde fazer a morada. É uma palhoça bonitinha na beira da estrada.
Ah! que coisa linda nós dois trabalhando na enxada. Quando nós tiver um filho nós bota ele para estudar. Depois quando já tiver crescido nós ensina ele a tocar. E quando nós tiver veinho sentar na porta mode de apreciar.”

TA – Essa música me lembra Codó, um grande violonista que já foi embora. Como é essa história?
R – Um dia quando saí do rádio fui para casa de Codó e ele estava tocando violão, foi quando cantei essa modinha. E aí depois disso Codó foi para o Rio de Janeiro. Poucos anos depois quando fui visitá-lo, o filho dele estava tocando violão, e era essa música. Isso me emocionou muito porque quando eu cantei a primeira vez, ele ainda estava na barriga da mulher de Codó.

TA – Você retornou recentemente de São Paulo, onde participou de um grande projeto patrocinado pelo Banco do Brasil. Fale um pouco sobre este evento e sobre os planos futuros.

R –- Tenho viajado muito, para o Rio, São Paulo, Brasília. Estou muito contente, com as diretrizes do Felipe Cavalieri, meu empresário. Tem sido um corre-corre a minha vida artística. Há uma esperança de uma viagem para a Itália. Não está nada ainda certo.

TA – Porque você teve a idéia de fazer música?
R – Minha vida era cantar as músicas do Rio de Janeiro. Aquelas músicas do tempo de Noel Rosa. Mas, um belo dia, eu ia passando na Misericórdia, e vi um pedaço de revista e aí peguei apesar de não saber ler bem, vi escrito: “Se o Rio não escrever a Bahia não canta”. Eu fiquei com aquilo na mente, e logo quando cheguei em casa, Jesus mandou o primeiro verso. “Eu sei que sou malandro sei. Deixei o dia raiar. A minha turma é boa somente para batucar. Oh diga lá meu grande amigo eu gostei do teu falar. Você fala tão bonito, eu vou agradar.” Naquele tempo se fazia primeiro os versos. Na segunda parte eram versos improvisados e o meu primeiro samba foi nessa base.

TA – Você também já participou de outros filmes, além de Samba Riachão. Como foi sua participação no cinema?
R – Foi um momento agradável. Minha vida sempre foi fazer samba de roda. Samba de chula, e nunca imaginei fazer cinema. Um dia chegou um rapaz na Rádio Sociedade, dizendo que os diretores do filme estavam me convidando para participar. E eles só queriam a mim. Eu tive que ir. E assim tomei parte no primeiro filme da minha vida A Grande Feira. Eu cantava no cabaré do jeito da gafieira. E aí fiz um sambinha contando minha participação neste filme. Depois participei de outros. Me lembro também de Pastores da Noite, dirigido pelo francês Marcel Cammus. Eu fui indicado por Jorge Amado. E foi até interessante este momento. Ele mandou o querido Cammus me procurar aqui na minha residência, e quando chegou, eu estava na roça com um facão do lado. Ele bateu no portão e quando me viu, com aquela roupa acabada de roça, ficou assombrado me olhando. Ele não falava nada e depois de minutos começou a rir. Eu todo suado com o facão do lado, e ele rindo, disse “Era isso que eu estava procurando”. Eu também fiquei contente quando ele começou a dizer que procurava um personagem para o filme e Jorge Amado tinha me indicado. Fiz o personagem Pé de Vento, dono de 400 mulatas.


ALBERTO JOSÉ SIMÕES DE ABREU – conhecido como Tuzé de Abreu, é baiano de Salvador, graduado em música pela Universidade Federal da Bahia e em medicina pela Escola Baiana de Medicina e Saúde Pública. Compositor, cantor, diretor musical, saxofonista e flautista já fez diversas apresentações no Brasil e no exterior. Tuzé de Abreu é membro concursado da Orquestra Sinfônica da Universidade Federal da Bahia.

http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/04/revista%20da%20bahia/Musica/riachao.htm

Um comentário:

  1. Só agora li a entrevista. Riachão autêntico sempre alegre. Tuzé por onde anda? Como faço para comprar os cds de riachão e o de tuzé?
    Obrigado

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