sábado, 10 de outubro de 2009

Será importante falarmos de Saúde Mental?

Professor Adriano Vaz Serra

É sim, porque é grande o número de pessoas que tem uma má Saúde Mental. Segundo a O.M.S.1 cerca de metade das doenças mentais começam antes da idade dos 14 anos. Calcula-se que, em todo o mundo, cerca de 20% das crianças e adolescentes tenham doenças ou problemas mentais.



Esta circunstância ocorre igualmente em todas as culturas. Infelizmente, as regiões do mundo com a maior percentagem de população com idade inferior a 19 anos têm o nível mais pobre de recursos de Saúde Mental. A maior parte dos países com salários baixos ou médios têm apenas um pedopsiquiatra para cada 1 a 4 milhões de pessoas.



A Depressão - um quadro clínico bem conhecido - situa-se naqueles países como a 7.ª causa mais importante de doença, na medida em que tende a ser incapacitante, recorrente ou prolongada e, muitas vezes, mantém-se sem tratamento.



Todos os anos cerca de 800.000 pessoas cometem suicídio, 86% das quais nos países de recursos mais pobres ou medianos. A maior parte das pessoas que cometem suicído encontram-se na idade entre os 15 e os 44 anos. A taxa mais elevada de suicídio encontra-se nos homens dos países do leste europeu. Os transtornos mentais são uma das causas mais proeminentes e tratáveis de suicídio.



O estigma que acompanha as doenças mentais e a discriminação dos doentes e das suas famílias impede as pessoas de procurarem os cuidados apropriados para o tratamento deste tipo de situações. Há muita gente que considera um transtorno mental como uma questão de "força de vontade". Os níveis de estigma são mais acentuados nos meios urbanos, entre pessoas de níveis mais elevados de educação, do que nos meios rurais.



Os doentes psiquiátricos são frequentemente lesados nos seus direitos humanos na maioria dos países. Estes incluem restricção física, reclusão e negação de necessidades básicas e de privacidade.



Nos países carenciados de recursos há apenas 0,05 psiquiatras e 0,16 enfermeiros com a especialidade de psiquiatria por 100.000 habitantes, o que corresponde a um nível 200 vezes mais baixo do que nos países desenvolvidos e com salários altos.



De acordo com a O.M.S. centenas de milhões de pessoas em odo o mundo encontram-se afectadas por transtornos mentais, do comportamento e pelo abuso de drogas. A O.M.S. (2002) referiu que 154 milhões de pessoas no mundo sofrem de Depressão e 25 milhões de esquizofrenia; 91 milhões encontram-se afectadas por problemas de alcoolismo e 15 milhões pelo abuso de drogas. Mais recentemente a O.M.S. realça que 50 milhões de pessoas sofrem de Epilepsia e 24 milhões de Doença de Alzheimer e outras demências.



Em Portugal estamos actualmente numa época de mudança, em que se pensa ir colocando gradualmente na comunidade os doentes que passaram longos anos internados em hospitais psiquiátricos. Em 2007 tive o prazer de presidir a uma conferência do Professor Julian Leff que tem numerosos estudos sobre a inclusão de doentes psiquiátricos na comunidade. Transmitiu ideias muito importantes a este respeito.



Uma delas a de que os doentes mentais só serão bem aceites na comunidade, numa residência que lhes seja destinada, desde que haja previamente trabalho que leve a comunidade envolvente a conhecer melhor o que é um doente mental, a perder o medo com o seu contacto e a desenvolver uma atitude de aceitação.



Julian Leff referiu também que doentes hospitalizados há longos anos perderam, em 75% dos casos, os contactos com a família. São pessoas de fracas aptidões sociais, muitas ve-zes desinteressadas do meio envolvente e carenciadas de apoio. Carecem, por isso, de apoio social, de incentivo e de melhorar as suas aptidões.



Foram feitas diversas tentativas para, na passagem dos doentes hospitalizados para a comunidade, permitirem-lhes arranjar trabalho para se poderem manter autónomos. Muitas das tentativas falharam. Contudo, houve uma que deu resultado. Consistia em arranjar empresas que aceitassem a entrada de doentes mentais, devidamente tratados, para serem aí empregados. Cada doente aceite estava durante seis meses ligado a um supervisor que lhe ensinava o tipo de trabalho a fazer até ele se tornar completamente autónomo e rentável. Havia diversos supervisores por empresa. Quando os doentes se tornavam autónomos e rentáveis, então chegavam mais doentes que os supervisores ensinavam da mesma maneira.



Estes aspectos obrigam-nos a estarmos atentos para que a transferência dos doentes hospitalizados há longos anos, quando forem incluídos na comunidade, possam ter condições de autonomia, com respeito pelos seus direitos e qualidade de vida.







Professor Adriano Vaz Serra,
Professor Catedrático de Psiquiatria da F.M.C.
Director da Clínica Psiquiátrica dos H.U.C.
Presidente da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria Saúde Mental

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