quinta-feira, 1 de abril de 2010

A saúde não é igual para a mulher pobre.

A desigualdade de género na saúde acentua-se para as mulheres mais vulneráveis, como as pobres, indígenas, afrodescendentes e adolescentes, afirma neste artigo a argentina Mirta Roses.
O tratamento sanitário no contexto da desigualdade de género reflecte-se no estudo "As mulheres e a saúde. Os dados de hoje, a agenda de amanhã" da Organização Mundial da Saúde (OMS) e em "A saúde das mulheres e dos homens nas Américas. Perfil 2009", que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPS) divulgou este mês. O avanço feminino na educação e no acesso ao mercado de trabalho nas Américas não foi parelho com similar progresso no exercício do direito à saúde. As desigualdades de género que impedem as mulheres de ter o máximo nível de saúde, acentuam-se nas populações mais vulneráveis, como as pobres, indígenas, afrodescendentes, adolescentes e rurais.

Os graus de mortalidade materna, a evolução das infecções de HIV/sida e a violência são três dos aspectos examinados no estudo da OPS. Apesar de as mortes maternas serem evitáveis, persistem níveis muito altos nas Américas. A taxa de mortalidade materna é de 63,7% por cem mil nascidos vivos, com uma amplitude que vai de 8,8 no Canadá a 630 no Haiti. A mortalidade materna é a primeira causa de morte nas mulheres entre os 15 e 24 anos nalguns países. Isto deve-se a desigualdades na prevenção e na atenção.

Assim, a mortalidade materna é menor quando as mulheres têm acesso ao planeamento familiar, mas o estudo revela que as adolescentes, as indígenas e as pobres são as mais afectadas pela falta de assistência. Da mesma forma, o acesso a cuidados profissionais na gravidez e no parto apresentam grandes disparidades, com as mulheres daqueles mesmos sectores sendo as mais prejudicadas. Nos últimos anos, o HIV (vírus da deficiência imunológica humana) aumentou rapidamente entre as mulheres, com proporções mais altas do que nos homens e em alguns países das Caraíbas e da América Central, especialmente no grupo de 15 a 24 anos de idade.

A violência contra as mulheres é um problema de saúde pública que afecta todos os grupos de população das Américas. A violência física aparece junto com a psicológica e muitas vezes com a sexual. O impacto desta na saúde reprodutiva pode ser grave, inclusive com risco de contrair o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis. Nos países com informação disponível, regista-se alta prevalência de violência física e sexual contra a mulher por parte do marido ou companheiro. A proporção de mulheres que declararam ter sofrido violência física varia entre 14% e 52%, enquanto a violência sexual tem amplitude de 4% a 15%.

O perfil da mortalidade continental mudou nas últimas décadas. Na maioria dos países, afecções crónicas degenerativas e causas externas, como acidentes e homicídios, vão deslocando doenças transmissíveis como causas principais de morbidade e mortalidade. Essa mudança tem um efeito desproporcional nas mulheres. A crescente prevalência de doenças crónicas, somada à privatização da saúde, elevou a procura por atenção sanitária nos lares, tarefa assumida sobretudo pelas mulheres, sem reconhecimento social nem económico, nem ponderação das consequências sobre sua saúde física e mental.

Há estudos mostrando que algumas mulheres se vêem obrigadas a deixar os seus trabalhos remunerados para cuidar em casa de pessoas que precisam de atenção. Após cem anos de luta pela igualdade de género, houve avanços inegáveis, mas ainda temos muito caminho pela frente. É necessário elevar a consciência e mobilizar energias da sociedade civil para exigir políticas públicas que, com decisão, firmeza e celeridade, corrijam as desigualdades que afectam a saúde das mulheres.

Mirta Roses é directora da Organização Pan-Americana de Saúde (OPS). Direitos exclusivos IPS.

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