quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

CARNAVAL: UM DESEJO DE SEGURANÇA COM DEMOCRACIA.


Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 8, nº 03, 28/01/08
CARNAVAL: UM DESEJO DE SEGURANÇA COM DEMOCRACIA

Nos primeiros dias de janeiro foram anunciadas, com grande destaque, quatro ocorrências de violência ilegal praticada por policiais contra a população, envolvendo três vítimas adolescentes e um jovem. Todos mortos “em confronto com a polícia”. A imprensa tem noticiado amplamente estes casos de modo que é dispensável que os detalhemos nesta leitura, pois entendemos que o assunto é hoje de domínio público. Em geral, este tipo de manifestação violenta vem justificado pelos autores-policiais através do argumento da legítima defesa, implícita na expressão “troca de tiros”. Com esta interpretação é defendido um caráter legal para a ocorrência. Tal etiqueta tem coberto, imediatamente, cada caso de morte praticada por policiais.



Tem crescido o número de eventos aos quais é aplicado este rótulo, de um modo tal que é gerada a quase certeza de que as forças policiais estão se sentindo livres para matar e, em seguida, construir as circunstâncias compatíveis com essa rotulagem. Esta forma de violência vitima, normalmente, indivíduos pobres, afro-descendentes, jovens, de sexo masculino que moram em bairros populares. O enredo é sempre o mesmo, até o calibre das armas que são atribuídas como de posse das vítimas costuma ser idêntico.

Essas situações encerram muitas evidências. A mais imediata diz respeito aos desvios praticados por policiais que, nos episódios recentes, demonstram uma forma mais persistente de desafio à ordem legal, não se intimidando diante do clamor público, produzindo um caso atrás do outro. Outra evidência é a dificuldade de controle das forças policiais que estão cometendo atos graves contra a vida dos cidadãos. Também fica evidenciada, sob forma de conseqüência, uma maior apreensão por parte da sociedade no que diz respeito à confiança nas forças públicas de proteção.

Associado às evidências anteriormente assinaladas, existe um conjunto de debilidades que caracteriza a vida das pessoas mais vulneráveis à violência policial e às outras formas de violência. Esse conjunto de debilidades nem sempre diretamente mostrado nas notícias, mas seus indícios ficam claros no perfil das pessoas envolvidas: predominam neste universo as carências sociais nas áreas da educação, da saúde, do emprego, do lazer, da habitação e da assistência social. Neste sentido, pode-se dizer que são indivíduos que enfrentam várias formas de insegurança em suas vidas diárias. Entendemos que a melhoria dessas condições gerais teria impacto positivo sobre as condições de segurança, inclusive de natureza policial. Entretanto, gostaríamos de destacar, neste momento, uma preocupação tópica e que diz respeito ao nosso contexto recente de violência e a festa de carnaval.

Estamos nos aproximando dos dias em que alguns espaços da Cidade se transformam e em que são adotados procedimentos muito diversos daqueles convencionais. Uma das práticas freqüentes ao longo dos últimos anos diz respeito a um princípio de prevenção baseado em táticas que desestimulam a ida dos moradores da periferia ao “circuito nobre” do carnaval. Para tanto não são poupadas ações condenáveis, a exemplo das prisões de jovens moradores de bairros pobres durante os dias de folia. Ao lado disto, no interior do mesmo circuito, são observadas atuações policiais de caráter violento contra cidadãos indefesos, em geral jovens pobres.

Essa espécie de modelo de atuação policial para a festa de carnaval foi sendo, gradativamente, consolidado de modo a se tornar natural nos anos recentes. Sempre nos preocupamos com a forma exacerbada com a que a força policial atua em algumas das ocorrências verificadas na festa. Nos dias de hoje, a preocupação se amplia em razão do período da festa coincidir com este momento em que a polícia tem incrementado as ações de violência ilegal contra a população mais pobre, negra e jovem da Cidade.

Mesmo imaginando as dificuldades de se oferecer segurança a toda a Cidade com um efetivo tão inferior ao apropriado e com equipamentos inadequados, é necessário ter como princípio que todos os habitantes e também os turistas são igualmente merecedores de garantias. O carnaval não pode se tornar uma ocasião para o acirramento de ações policiais não condizentes com os princípios democráticos. Neste sentido, é fundamental que a ordem pública seja assegurada e não ceda a nenhum tipo de demanda contrária à perspectiva da cidadania. Convém recordar que as fantasias do carnaval passam, mas as suas possíveis feridas marcam e as cicatrizes ficam.



Esta leitura pretende alertar para os riscos que se projetam diante da magnitude do nosso carnaval, desejando que os espaços da folia e todas as outras vias, becos e quebradas da Cidade sejam contemplados pela atenção pública de maneira eficaz e cidadã. Não custa desejar manchetes que nos relatem jornadas tranqüilas da Salvador fora dos espaços da folia, ao lado dos dias ouriçados nos lugares tomados pela festa. Afinal, como diz o cantor: “imagina só, que loucura essa mistura”!

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