sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008

Desembargadora assume Tribunal de Justiça da Bahia e diz não temer pressões.

Desembargadora assume TJ e diz não temer pressões

Tribuna da Bahia Entrevista/Silvia Zarif

A desembargadora Silvia Carneiro Santos Zarif, natural de Feira de Santana, assume hoje a presidência do Tribunal de Justiça, e é a primeira mulher a desempenhar importante função na história da Bahia. Formada pela Faculdade de Direito da Ufba, em 1981 ela iniciou a sua carreira como juíza na cidade de Terra Nova, passou por São Gonçalo dos Campos e Feira de Santana antes de ser transferida para Salvador. Eleita por unanimidade para presidir o TJ-BA no biênio 2008/2009, ela tem planos ousados, mesmo sabendo das dificuldades que terá pela frente. Mas adverte não temer pressões. Na véspera da sua posse, ela concedeu esta entrevista ao repórter Evandro Matos para a Tribuna da Bahia.

ENTREVISTA

Tribuna da Bahia - Primeiro, gostaria que a senhora falasse sobre a sua eleição, afinal é a primeira mulher a presidir o Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

Desembargadora Sílvia Zarif - A eleição de uma mulher para o Tribunal de Justiça, mais ainda, de quatro desembargadoras para compor a sua mesa diretora, representa a ascensão das mulheres na carreira jurídica. Hoje, no TJ, representamos cinqüenta por cento do quadro de desembargadores. Então, já era tempo de que nós assumíssemos o mais alto cargo.

TB - Na composição da mesa diretora, a maioria está formada também por mulheres. O processo eleitoral foi uma mera coincidência ou houve uma campanha direcionada? SZ - A Loman (Lei Orgânica da Magistratura), que regulamenta a eleição da mesa diretora, determina que os nomes mais antigos se habilitem. Dentre os mais antigos, que eram cinco cargos e cinco candidatos, quatro destes desembargadores eram mulheres e um, homem, o desembargador Jerônimo. Havia o represamento em termos de as mulheres não ascenderem ao cargo, e chegou um momento em que este represamento terminou por levar quatro mulheres em condições de serem eleitas, como foram.

TB - Qual a sua expectativa com relação à posse na presidência do Tribunal?

SZ - Eu estou muito feliz pela minha eleição, a unanimidade é fato inédito no Tribunal de Justiça da Bahia, pelo fato de ser mulher e elas hoje representarem quase 50% da magistratura. Então, isso me deixa muito contente por ter sido eleita a primeira mulher presidente. Por outro lado, eu tenho sobre as minhas costas uma responsabilidade muito grande, porque a expectativa é muito grande dentro do próprio Poder Judiciário, dos servidores e da sociedade. Mas espero estar à altura de corresponder essa expectativa.

TB - Quais os planos iniciais e prioritários da senhora para este mandato?

SZ - Inicialmente, pretendemos modernizar os serviços da Justiça. Nós estamos muito atrasados em termos de informatização, não só de tecnologia como também em treinamento de pessoal. A primeira medida seria capacitar o pessoal e alimentar o sistema informatizado que já existe. Mais para frente vamos substituir a tecnologia que já existe no Tribunal, além de implantar o sistema Atos para integrar os cartórios extraju-diciais. Também iremos investir na produtividade dos servidores. Esta produtividade passa pela capacita-ção, mas também pelo controle da freqüência ao serviço. Com o edital já pronto, nós vamos licitar uma empresa que implante o ponto eletrônico no Judiciário. Também iremos modernizar os cartórios, estabelecendo novas rotinas de trabalho. Iremos fazer também, em termos administrativos com o Ipraj, para que possamos aumentar a arrecadação porque, hoje, todo o investimento que é feito no Poder Judiciário é com a arrecadação de custas. Com isso, nós pretendemos implantar os selos de fiscalização e otimizar a utilização de material de consumo.

TB - Dra. Silvia, existem algumas carências no Judiciário baiano em relação às demandas da população. A questão dos mutirões, por exemplo, eles vão continuar? Como a senhora pensa em dinamizar esta situação e resolver as pendências principais?

SZ - Olha, realmente nós temos conhecimento desta realidade, no interior eu acho que a situação é mais crítica ainda. Há falta de funcionários, de juizes e, também, de equipamentos. Então, nós temos uma dificuldade, hoje, que é de receita. A nossa receita do orçamento, que vem do Poder Executivo, 85% vai para pagamento de folha de pessoal. Nós só investimos 15%. O investimento é feito com a própria arrecadação do Poder Judiciário, que é muito pequena. Mas o objetivo é qualificar o servidor, porque a gente nota que em determinados cartórios tem o número suficiente de servidores, e o trabalho é feito de forma morosa. A implantação do ponto eletrônico vai corrigir o problema e, também, com relação aos juízes que não moram nas comarcas.

TB - No bojo da proposta de redirecionar estes serviços está a obrigatoriedade dos juizes morarem nas comarcas. Quais as medidas pretende tomar para isso acontecer?

SZ - Já é de lei a obrigatoriedade do juiz morar na comarca. Isso está na Constituição Federal. O que falta, hoje, é realmente que os juízes cumpram a lei e isso não vem ocorrendo. E por que o Judiciário tem dificuldade até mesmo de tomar conhecimento? Primeiro, não há denúncia e muitas vezes o próprio Judiciário, ou Corregedoria, não tomava conhecimento. Depois, nós temos um número muito grande de comarcas no interior e temos somente um corregedor. Com a descentralização do Poder Judiciário, tendo um corregedor só para o interior, ele vai se voltar para esta fiscalização, e uma das nossas metas será fiscalizar a moradia do juiz na comarca. Nós sabemos que têm juízes que não moram na comarca e vão dois, três dias na semana. Isso é injustificável. Os juízes, independente de trabalharem cinco dias, têm a obrigação de morar na comarca. Ele pode se ausentar, desde que seja nos fins de semana e feriados.

TB - Serão usadas outras estratégias para atenuar as principais demandas da população?

SZ - Nós pretendemos, com o aumento da arrecadação, melhorar a informatização dos cartórios, porque a produtividade sobe significativamente. Segundo, a capacitação do servidor para exercer as suas funções, não só em relação à informática, mas também de aprimoramento. E fiscalização dos juízes na comarca, porque o juiz que está ausente não pode fiscalizar o servidor. Acredito que com essas medidas nós vamos contribuir muito para aumentar a produtividade. Por outro lado, há realmente carência de pessoal. É como eu disse, nós já temos 85% da receita comprometida com o pessoal, e desses 85% significa que nós só podemos gastar da receita líquida corrente do Estado, 6%, e nós já estamos gastando 5,7%. Um dos fatores que leva a impedir a nomeação de concursados é exatamente porque nós não podemos ultrapassar esse limite.

TB - Dra. Silvia, ainda dentro desse contexto, dizem que os mutirões têm audiências marcadas até para 2010 nos juizados especiais. Como resolver isso?

SZ - Realmente é preocupante. Isso não é Justiça, é negar a justiça. Mas os juizados que num dado momento vieram socorrer a população (e resolveu em determinada época o congestionamento na Justiça) hoje, ao contrário, o procedimento que se faz nas varas está sendo muito mais rápido do que nos juizados. A população passou a acreditar nos juizados e nós não caminhamos na mesma direção para atender essa demanda. Mas, com a Corregedoria da capital, o juizado vai passar a integrar essa Corregedoria, e a desembargadora Telma Brito já está tomando medidas concretas para solucionar este problema. Nós temos também concursos e o desembargador Sinésio, que me antecedeu, já nomeou bastante para o juizado, nós vamos nomear mais, estabelecer também novas rotinas e capacitação, além de algumas parcerias com os maiores clientes dos juizados.

TB - O que significa revitalizar o Poder Judiciário?

SZ - É, vamos dizer, mobilizar os servidores, os serventuários, os juizes, para uma conscientização de que nós vivemos numa crise, que o serviço que prestamos é de má qualidade, que a nossa credibilidade junto à sociedade é baixa, e que nós temos que nos mobilizar porque não basta dinheiro, recursos, maquinários modernos e pessoal se não houver essa vontade, essa conscientização de que nós temos de reverter essa situação. Eu acho que se o servidor, se o juiz, se os desembargadores se conscien-tizarem que a situação é crítica, isso nós já caminhamos um bom pedaço para resolver o problema.

TB - Como a senhora pensa sobre o trabalho de interação da Justiça com a população, ou do próprio Poder Judiciário com os outros poderes?

SZ - A proposta da mesa diretora é de transparência. Os atos do Poder Judiciário, inclusive orçamento, assim que for possível, nós vamos publicar no site do Tribunal de Justiça. Com relação aos outros poderes, guardando os limites da independência e da harmonia, vamos nos aproximar de todos para que possamos resolver os problemas do Judiciário, porque não podemos resolvê-los se não houver essa parceria com o Poder Executivo. Agora mesmo nós tivemos uma parceria muito significativa com o Poder Legislativo, que fez um mutirão para que pudéssemos aprovar a Lei de Organização Judiciária em tempo recorde, já que ela tramitava e a nossa última lei é de 1989.

TB - Fale um pouco sobre o PDJ.

SZ - O Plano Diretor do Poder Judiciário foi feito com base em pesquisas em que foram ouvidos vários segmentos da sociedade, a própria população, advogados, juízes, servidores da Justiça, e foram detectados os problemas e feito um organograma com as críticas. Com base nessa pesquisa, foram estabelecidas as metas a serem alcançadas. Então, o Poder Judiciário baiano, numa iniciativa inédita no Judiciário do Brasil, fez um projeto, um Plano Diretor, com previsão para vigir durante dez anos, que estabelece as diretrizes a serem seguidas e as medidas a serem adotadas pelo Tribunal de Justiça- BA.

TB - A senhora toma posse amanhã (hoje), num ano político. Existe um processo tramitando no Tribunal, polêmico por sinal, que é a indenização de 57 ex-parlamentares aposentados da Assembléia Legislativa. Como a senhora vai enfrentar esse julgamento?

SZ - O julgamento, na realidade, não fica nas mãos do presidente. O presidente só vota em determinadas circunstâncias. Eu conheço pouco desse processo porque no julgamento eu me encontrava de férias. Houve um julgamento favorável aos aposentados, já está em pauta para julgar os embargos de declaração, e a relatora encontra-se de férias e, com certeza, ele será julgado na minha gestão. Eu vou presidir o julgamento com tranqüilidade. Os processos, os julgamentos, sejam simples ou complexos, polêmicos ou não, eles tramitam com a mesma tranqüilidade e dentro das normas da Casa. Mas eu acredito que se fará a melhor justiça.

TB - No Tribunal existem muitas ações para serem julgadas, inclusive contra prefeitos. Nestas ações, em alguns casos, os prefeitos permanecem no poder por falta de julgamento, mesmo que a acusação seja verídica e prejudicial ao erário público...

SZ - A demora, a culpa não é só dos tribunais. O próprio procedimento e resguardo da ampla defesa do contraditório favorecem a demora no julgamento. Agora, independente disso, há um esforço e uma vontade política do Tribunal de Justiça em promover esses julgamentos. Tanto que uma das minhas propostas (e já no dia 11 estarei convocando uma sessão extraordinária) é propor que aumentemos mais um dia na semana para julgar esses processos. Quem mais tem interesse em julgar esses processos é o Poder Judiciário. E nós vamos envidar esforços para julgá-los o mais rápido possível.

TB - E a questão da independência do Poder Judiciário?

SZ - O Poder Judiciário já é independente. Já há algum tempo nós não sofremos mais desse mal de subserviência ao Poder Executivo. Então, hoje, nós não podemos dizer que não temos independência. Temos poder, temos independência, o Poder Judiciário é livre e não sofre mais qualquer pressão ou tutela de quem quer que seja.

TB - Como mulher, a primeira a presidir o Judiciário baiano, a senhora teme alguma coisa ou está tranqüila com relação a isso?

SZ - Não temo nenhuma pressão, como magistrada, como desembargadora, as pressões existem em determinados julgamentos, mas, no meu caso - eu acho que todos os juízes - vejo como uma coisa normal na carreira e tenho a maior tranqüilidade. Com pressão ou sem pressão, o julgamento é o mesmo, independente, e dentro da legalidade.

TB - Que balanço a senhora faz da Justiça baiana?

SZ - A imagem, hoje, inclusive a credibilidade do Poder Judiciário, ela está em baixa Mas eu acredito que, com a nova mesa, com as medidas que nós vamos tomar, inclusive com a Lei de Organização Judiciária, com o Plano Diretor, neste primeiro ano nós já vamos ter alguma resposta em termos de Tribunal de Justiça e na Primeira Instância. No segundo ano, a opinião da população já vai ser diferente do que tem hoje, com certeza.

TB - Como a senhora vê a questão de juizes que praticam desvios éticos e se envolvem em processos políticos. Enfim, como é que vai funcionar o Judiciário em relação a isso?

SZ - Olha, esses problemas todos, o Judiciário da Bahia nunca instaurou tantos processos administrativos e nunca julgou tantos processos administrativos. Eu integrei o Conselho da Magistratura, integro o Tribunal de Justiça, e a nossa pauta hoje de processos administrativos é pequeníssima, ao contrário de outros tempos. Nós temos julgado, aberto processos, aplicado penalidades, vários juízes estão em disponibilidade, em aposentadoria compulsória, inclusive alguns estão sendo processados. Na medida em que o Judiciário reprime e pune, a tendência é diminuir a incidência desses casos de desvios disciplinares e, inclusive, problemas de ligação com políticos no interior.

TB - O que a população pode esperar em relação à sua gestão à frente do Judiciário?

SZ - O fato de ser mulher e de reconhecer que há uma expectativa muito grande da sociedade, da própria magistratura, dos servidores e dos juizes. Espero responder a essa expectativa com muito trabalho, austeridade, transparência, e vou cobrar de cada setor o cumprimento do dever e o empenho para que possamos dar uma resposta à sociedade e oferecer à população e aos nossos jurisdicionados um serviço de maior qualidade, com maior celeridade e que as pessoas não fiquem sem a Justiça que merecem.

Fonte: Tribuna da Bahia, hoje.

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