NA PRAÇA... MAIS CAIXAS. Mais caixas. Preciso de mais caixas. São muitas caixas. Meu endereço não será mais o mesmo. Meus livros não resistem aos cupins E eu não resisto ao tempo. Minhas roupas, meus sapatos, Não resistem aos costumes, à moda. Enquadro-me sempre Em um perfil nômade. As paredes são ocas, Os lençóis são frios. Na praça vista através da janela indiscreta Enxergo a barbaridade gritante. Retrocesso de um tempo, Antes para mim desconhecido. Jesus não estava ali. Apenas os cães estavam ali. Atentos e perplexos com o máximo da crueldade humana. Uma mulher levada ao chão... Levada ao chão por outras duas mais. Logo em seguida jovens, adultos, crianças e idosos gritavam excitados, empolgados. "Bate na galega!" A "galega" refém da desigualdade social que a esmagava impiedosamente, nem gemia. Os gritos não eram de socorro naquela praça. O grande espetáculo era de horror e cercado por euforia, gargalhadas e aplausos. Homens admiravam a "magnífica" cena: duas mulheres espancando uma que não obteve defesa. Para muitos a praça é bem calma! Espancamento é algo banal. Linchamento também. Sons de bombas sinalizadoras, tiros secos aos fundos das casas, gritos de socorro durante as madrugadas, vigilantes noturnos que em silêncio atuam. Existirá nesta praça um toque de recolher? Arrumo as minhas caixas, foram elas que me restaram. Meus animais andam apavorados. Como são constantes as intrigas... Dizem que espancaram a moça à luz do dia, às dezesseis horas para ser mais precisa em um local, uma praça pública num feriado que marca a independência de um massacrado estado... Comentam entre os becos e ruelas que ela é muito "ignorante", "rude", "trata todo mundo mal", daí o motivo... Apanhou sem direito de defesa. Olha a justiça pelas mãos... Mas, na praça o que reina é a lei do silêncio. Ai, daquele que defendesse a moça. Então, a diversão dos entretidos da roda durante o feriadão foi observar o desfecho desta história. Afinal, era um "vale-tudo" gratuito. Onde só os cães ao lado da espancada avançavam em sua defesa. Resumindo essa história de cotidiano, barbaridade, tudo ficou por isto mesmo. Os marginalizados ditam suas leis com rigor e autoridade. Nada de independência, nada de igualdade social. O lema é: PEDRAS NA MÃO! Pedras para bater, espancar, matar. Pedras para vender, pedras para cheirar, pedras para comer, sopa de pedras. Quanto às críticas? Metralhem todas elas, metralhem até aqueles que ousarem mencionar o termo Direitos Humanos. Não há muito interesse em absorver tantos direitos, porque em meio à tantos direitos, existem os grandes deveres e os deveres comprometem as pedras, as pedras que para muitos não são as mesmas pedras do Drummond. Elas necessitam estar no meio do caminho, sim. Senão das pedras, evoluiremos para as balas que certamente não serão doces e sim fatais. Arrumo as caixas, Desorganizo a minha cena. Fecho os olhos, Fecho as janelas. Covarde? Sim. Covarde. O Sistema engoliu a minha coragem. O Sistema fundamentou a marginalidade. O Sistema adoeceu os meus anos de vida.
ANDRÉA ERMELIN TERÇA-FEIRA, 08 DE JULHO DE 2008 SALVADOR-BA/BRASIL |
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