segunda-feira, 28 de julho de 2008

Bahia : seis chacinas em menos de dois meses.


O grito dos inocentes


 
   Seis chacinas em menos de dois meses. Vinte e quatro mortos. Desespero e sofrimento. Parentes das vítimas e moradores dos bairros onde aconteceram as matanças, (Baixinha de Mussurunga, Bairro da Paz, Calabar/Alto das Pombas, Engenho Velho da Federação, Nova Constituinte/Periperi e Lobato), clamam e esperam justiça. Ainda convivem com a dor da perda de entes queridos e as constantes ameaças feitas pelos traficantes. O fantasma da insegurança assombra a cidade. Hoje de manhã, amigos e parentes das vítimas vão em passeata até a governadoria, no Centro Administrativo
  Ruas vazias, casas desocupadas, moradores assustados. Esse é o cenário de hoje da Baixinha de Mussurunga. O local, que era tido como calmo e pacífico para os moradores, se tornou palco de uma das piores tragédias ocorridas no Brasil. Sete pessoas inocentes que estavam reunidas num bar foram mortas, metralhadas por traficantes da área, que estavam a procura de uma gangue rival. Pedreiros, seguranças, frentistas, todos eram trabalhadores e ninguém tinha passagem pela polícia. Uma semana após a chacina, a polícia prendeu cinco homens envolvidos com a matança. Hoje já são 11 os suspeitos presos, mas todos negam envolvimento.
  Testemunhas ainda tremem, amedrontadas, mas afirmam que reconheceram todos os suspeitos. " Nós estávamos no local no momento da chacina. Fomos a delegacia e identificamos todos os acusados", conta uma moradora que não quis se identificar.
  A dona do bar onde ocorreu o crime, Eliene Santos, disse que estava de mudança do local. " Estou indo com minha família morar no interior. Lá é mais tranqüilo e não corro risco de morrer e nem de ser ameaçada", afirmou.
  Eliene também disse que todos os vizinhos estão mudando também. " Uma moradora perdeu um filho, um genro, e um sobrinho nessa chacina. Ela estava tão traumatizada que se mudou com o restante da família", disse.
  Outro morador, Cristóvão, que mora no bairro há mais de 30 anos, reclama da falta de segurança. "Após esse crime, a polícia deixou de vir aqui no bairro. Uma vez até presenciei um policial dizendo que não entraria aqui apenas munido com um revólver 38." , relatou.De acordo com um dos líderes comunitário de Musurrunga, Aroldo Santos, o Estado até agora não deu a mínima assistência às famílias das vítimas. "Vamos fazer uma caminhada amanhã, as 8h da manhã, com cerca de 300 a 400 pessoas, saindo de Mussurunga até a governadoria. "O objetivo é reunir todos os familiares das vítimas das chacinas e reivindicar Justiça e atenção dos órgãos competentes", disse Aroldo.

  
No Bairro da Paz, dor e muito medo

   A chacina do Bairro da Paz, ocorrida no último dia 19, ainda deixa marcas de saudades na dona-de-casa e mãe de Henrique Sampaio Souza, 23 anos. Ela não se conforma com a morte do filho, que era pedreiro. " Henrique trabalhava de carteira assinada, ajudava nas despesas da casa e não era envolvido com bandidos", conta. A mãe do rapaz também reclama da falta de assistência do governo com as vítimas das chacinas. "Até hoje ninguém veio me procurar, não recebi indenização, e até tive gastos com o enterro do meu filho", disse. O irmão de Henrique, conhecido como Branco, relatou que os parentes das vítimas também estão sendo prejudicados profissionalmente. " Eu tinha uma entrevista de emprego para fazer na segunda-feira, mas não pude ir, porque tive que depor na delegacia", afirmou Branco.
  Os moradores do Bairro da Paz relatam que depois da matança, todos os dias a polícia está fazendo ronda no local do crime. "Estamos com medo até de falar, de sair e chegar tarde em casa porque somos vistoriados e vistos como bandidos", conta uma mulher de prenome Lúcia
  No Engenho Velho da Federação, o cenário não é diferente. Ruas vazias, pessoas apavoradas. A lei do silêncio impera no local. O diretor da Associação de Moradores, Edmilson Sales, disse que conhecia todas as três vítimas da chacina. "Eles eram honestos, inclusive Valdir das Virgens, conhecido como Biro Biro, pela semelhança com o ex jogador do Corinthians, na década de 80, fazia um trabalho social numa escolinha de futebol.", afirmou Edmilson. Valquírio dos Santos, 66, pai de Jean dos Santos, está inconformado com a morte do filho caçula. " Ele trabalhava como ajudante num supermercado e estudava a noite. Há dois meses tinha completado 18 anos e comprou uma moto. O sonho de Jean era construir uma casa para a mãe que mora de aluguel", desabafa.
  Um amigo das vítimas e policial civil, que não quis se identificar, disse que está muito perigoso morar no Engenho Velho da Federação. "Eu tenho que disfarçar, porque se me identificarem como policial eu morro na hora", conta o policial. A causa da chacina da Federação teria sido uma rixa interna entre traficantes do Forno e da Lajinha. "O pessoal do Forno matou um inocente da Lajinha, e o rivais para se vingar, resolveram metralhar os inocentes do Forno", disse. A cunhada de um dos rapazes mortos na matança da Federação ainda acredita na justiça. " Deus é justo com todos nós, até com os mais pobres. Ele um dia nos compensará por todas as nossas perdas", conclui..

  
Seis chacinas e três ataques. 27 mortos e 33 feridos a bala

   Todas essas chacinas e os ataques começaram dois dias depois da transferência do traficante, Genilson Lino da Silva, o "Perna", que estava preso na Penitenciária Lemos Brito, na Mata Escura, e foi encaminhado para o Presídio Federal de segurança máxima, em Catanduvas, interior do Paraná. A transferência do traficante aconteceu no começo de junho, depois que a polícia descobriu que "Perna" comandava o trafico de dentro da prisão, além de execuções de rivais, assaltos a bancos e carro-forte. A polícia encontrou R$ 280 mil, duas armas importadas e drogas dentro da cela de "Perna", onde foi preso em flagrante. Com a saída do traficante da capital, os crimes e os ataques tomaram grandes proporções.
  A guerra para ocupar a liderança e o poder do trafico tem sido um dos motivos da matança. Na Baixinha de Mussurunga, sete trabalhadores, pais de familías sem nenhum envolvimento com a criminalidade acabaram pagando com suas vidas, o preço da vingança e disputa de duas faccões que dominam o trafico no local. Na comunidade de Baixinha de Mussurunga, Carlos Alberto dos Santos, 20 anos, o "Carlinhos", era o chefe de um grupo, que briga com uma gang do Beco do Bozó situada em São Cristóvão, liderada por Paulo Sérgio da Silva Soares, o "Paulinho".
  Conforme investigações da polícia, o bando de "Paulinho" é remanescente da quadrilha do traficante Erberson Souza Santos, o "Pitty", morto em agosto do ano passado. Com a saída do traficante "Perna" do Estado, o bando de "Paulinho", travou uma luta pelos pontos de drogas e queria dominar a Baixinho de Mussurunga. Entre as brigas, o braço direto de "Paulinho", Jerry Adriani Correia da Silva, 21, foi baleado e um morador da área protegida pelo traficante, morreu no confronto comandado por 'Carlinhos". Esse foi motivo para a quadrilha de "Paulinho" ter atacado a área de "Carlinhos", e como recado para o traficante que não foi encontrado, sete homens que jogavam dominó e se distráiam bebendo com os amigos, foram executados. Outros dois rapazes sobreviveram porque fingiram de mortos depois de serem feridos a tiros.
  A polícia investigou que as vítimas, o segurança Rodrigo Conceição, 23, o vendedor Luiz Carlos Conceição, 32, o segurança Alcídes Magalhães, 37, o pedreiro Luiz Carlos Silva Santos dos Anjos, 32, o frentista Eraldo Pereira Lima, 25, e o porteiro Gecildo Nascimento Oliveira, 45, não tinham nenhum envolvimento com a criminalidade. E foram executados por 15 homens fortemente armados a mando de "Paulinho" que contou com ajuda do traficante Renildo dos Santos Nascimento, 26, mais conhecido como "Aladim", que comanda o tráfíco de drogas no Subúrbio Ferroviário. Além de participar da chacina, "Aladim" ainda disponibilizou alguns de seus homens e suas armas como metralhadoras, 9 milimetros, P. 40, escopetas e fuzil para exterminar as vítimas.
  A chacina de Mussurunga como ficou conhecida, foi a maior no Brasil, o delegado chefe Joselito Bispo, ordenou agilidade da polícia para investigar e prender os culpados.
  Uma semana depois, a polícia apresentou Jailson Santana Rodrigues, 21, Fernando da Cruz Rosário, 18, o "Bruno", Alan da Silva dos Anjos, 24, Marlon Eider Santos da Silva, 18, Danilo Gomes dos Santos, 20, Jerry Adriani Correia de Souza, 21, e Tiago Marques Lourenço e dois adolescentes, acusados como os autores da chacina. Embora seus familiares protestem e afirmando que eles são inocentes.
  No entanto, os acusados teriam sido reconhecidos tanto pelos adolescente presos, quanto por testemunhas das execuções. A polícia também conseguiu prender "Carlinhos" e dois homens de sua quadrilha. (Por Silvana Blesa)

  
Aladim estaria envolvido com os ataques

   Uma semana depois, no dia 11 de junho, o Alto das Pombas viveu uma noite de terror. Mais de 20 homens armados com metralhadoras e fuzís provocaram um ataque aos rivais e mataram quatro homens e deixaram dois feridos. Mas segundo a polícia, Paulo César Ferreira, 27, Roque Lázaro da Silva, 21, Gutemberg Santana Gouveia, 18, e Lucas Henrique da Silva Vieira, o "Cebola", tinham envolvimento com o tráfico de drogas. E foram mortos por facções rivais. Segundo as investigações da polícia, o bando rival estava em busca do traficante Averaldo Ferreira Silva, o "Averaldinho", acusado de comandar o tráfico no Alto das Pombas e Calabar. O traficante ficou conhecido pelos vários assassinatos que comandou e foi preso duas semana depois da chacina.
  No dia 17 de junho outra chacina foi registrada em Nova Constituinte, Subúrbio Ferroviário. Três homens, negros e com idade entre 18 a 20 anos, foram encontrados mortos a tiros e com as mãos algemadas. Crime típico de grupo de extermínio. A polícia atribuiu as mortes ao traficante Renildo dos Santos Nascimento, "Aladim", o mesmo que participou da chacina de Mussurunga. Na Prainha do Lobato, dia 14 de julho, mais três homens foram executados. Dois deles teriam antecedentes criminais, segundo diz a polícia. Paulo César Andrade de Jesus, 25, não era envolvido com a criminalidade e morreu ao dar carona em seu carro aos irmãos Elisandro Néri dos Santos, 29, e Tiago, 21.
  Segundo a polícia os dois irmãos eram traficantes e tinham boca-de-fumo no bairro de San Martin e teria ido a Prainha do Lobato para acertar contas com traficantes rivais, mas acabaram mortos numa emboscada. A 3ª Delegacia do (Bonfim), confirmou que tinha identificado os traficantes, mas nenhum deles foi preso.
  Durante o final de semana passado, duas chacinas custaram as vidas de sete pessoas e deixaram 14 baleados. A primeira delas aconteceu na noite de sábado, dia 19, no Bairro da Paz, causando quatro mortes e três feridos. Diogo Wellintong Assis da Silva, 18, Edmilson Desterro da Silva, 16, Henrique Sampaio Souza, 15, e Givaldo Santos de Souza, 15, foram as vítimas. Enquanto uns conversavam com os amigos, outros se divertiam nos barzinhos quando vários homens fortemente armados em três carros chegaram atirando e mataram na hora, os quatro jovens. A polícia afirma que eles não têm nenhum envolvimento com a criminalidade.
  Na noite de domingo, 20 de julho, mais uma chacina. Desta vez, o Engenho Velho da Federação foi o palco dos crimes, que deixaram três mortos e onze feridos. As vítimas também, segundo a polícia, eram pessoas inocentes. No dia seguinte ao crime, uma mulher lavava o local das marcas de sangue que tinha ficado na calçada. Emocionada, ela disse que infelizmente não podia ajudar a identificar os autores da chacina. "Não posso falar, somos coagidos pelos bandidos. Como não podemos mudar nem de casa, temos que sermos submissos a todos esses crimes que vêm acontecendo. Pois se falo, corro o risco de morrer, já que não temos segurança", desabafou. Essa é a realidade vivida pela população de muitos bairros, que atualmente tem se tornado o centro de ataques de marginais. Os ataques têm se tornado freqüentes nos bares, onde se concentram muitas pessoas nos finais de semana.

Por Tatiana Ribeiro
Tribuna da Bahia

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