sábado, 17 de janeiro de 2009

Em Ciudad Juárez,México,que faz fronteira com o Texas, em dez anos, mais de 300 mulheres foram assassinadas com um mesmo ritual.

MÉXICO
Trezentos crimes perfeitos
Em Ciudad Juárez, cidade do norte do México que faz fronteira com o Texas, em dez anos, mais de 300 mulheres foram assassinadas com um mesmo ritual: seqüestro, tortura, sevícias sexuais, mutilações e estrangulamento
Sergio González Rodríguez

Será que se trata de rituais satânicos? De orgias perversas de narcotraficantes? De vendedores de órgãos? De sacrifícios humanos para a filmagem de filmes-realidade?
Um dos mais terríveis contos da literatura contemporânea narra a história de um vampiro que, num campo de concentração, sangra, um após o outro, seus companheiros de infortúnio. Essa assustadora ficção intitula-se Dentre os mortos e seus autores, Gardner Dozois e Jack Dann, tiveram que batalhar bastante para que fosse publicada nos Estados Unidos em 1982: nenhuma revista de ficção científica ousava propô-la a seus leitores. Era de uma imaginação por demais doentia e excessivamente atroz.

Se essa narrativa de vampiros nos choca, é, provavelmente, porque vivemos num mundo quase normal em que tais horrores não acontecem com freqüência. Por outro lado, essa história nos pareceria banal, se vivêssemos num universo em que os piores crimes fossem aceitos: por exemplo, seqüestrar, violentar, torturar, matar... Um mundo em que os policiais protegeriam os assassinos, seriam seus cúmplices, comemorariam a acusação de inocentes, e ameaçariam – até eliminariam – todo e qualquer investigador... Um mundo de cabeça para baixo em que as autoridades fechariam os olhos, os criminosos estariam em liberdade e os inocentes, martirizados. Em resumo, um pesadelo. Com um detalhe: esse mundo de horror é verdadeiro e faz parte da realidade do México. Tão verdadeiro quanto as vítimas, as provas e os depoimentos que acumulei durante longos anos.

Mistério criminal assombroso
O palco de um dos mais assombrosos mistérios criminais de todos os tempos chama-se Ciudade Juárez, no Estado de Chihuahua, na fronteira com os Estados Unidos. Sua população de 1,3 milhão de habitantes está refém de assassinos sem rosto. O que ali acontece é um insulto aos direitos humanos. Desde 1993, mais de 300 mulheres foram seqüestradas, violentadas e assassinadas. A maioria dessas mulheres tinha características comuns: cerca de cem, pelo menos, eram provenientes de meio pobre, quase sempre operárias, todas eram baixas, morenas e de cabelo comprido. A maioria não pôde ser identificada: todas foram vítimas de violências sexuais, e, sem exceção, foram todas estranguladas...

Alguns cadáveres foram encontrados nos bairros centrais da cidade, outros, em terrenos baldios da periferia, mas uma coisa é certa: todas foram mortas em outro lugar, depois de, às vezes, ficarem desaparecidas durante semanas... O modus operandi dos assassinos é idêntico ao dos matadores em série. Os assassinatos repetem-se, assemelham-se, as sevícias são as mesmas, e atingem não só mulheres adultas, mas também adolescentes e até meninas de apenas 10 ou 12 anos.

Taxa de impunidade quase total
Depoimentos indicam que os assassinos teriam sido protegidos pelos policiais de Chihuahua. Depois, teriam se beneficiado do apoio dos meios ligados ao tráfico
Para todas as mulheres, Ciudad Juárez tornou-se o lugar mais perigoso do mundo. Em lugar nenhum, nem mesmo nos Estados Unidos – em que há inúmeros serial killers – as mulheres estão tão ameaçadas. No resto do México, entre dez vítimas de assassinatos, só uma é mulher. Em Ciudad Juárez, entre dez pessoas assassinadas, quatro são mulheres... E a série de crimes pode não parar por aí, pois, segundo as Nações Unidas, a taxa de impunidade no México é quase total.

Só existe uma arma capaz de combater tal flagelo: a memória, o depoimento. Nunca me senti tão abalado como quando fui aos lugares em que os cadáveres foram descobertos: era como que uma quarta dimensão, um sentimento de terror, a meio caminho entre a realidade e a alucinação.

Incompetência das autoridades
Esther Chávez Cano, dirigente de uma organização contra a violência doméstica, pensa que os assassinatos vão continuar: a incompetência das autoridades é evidente. A polícia, no entanto, prendeu um indivíduo de nome Jesús Manuel Guardado Márquez, vulgo “El Tolteca”, bem como a quadrilha de “Los Choferes”, acusados de serem os assassinos. Mas essas prisões não modificaram a convicção de Esther Chávez: “É uma farsa. Isso não muda nada, os crimes vão continuar, como depois da prisão da quadrilha de ‘Los Rebeldes’. Na época, tinham-nos dito que eram eles os assassinos. Acreditou-se que tinham acabado de vez com esse pesadelo. E, veja, continuam a ser encontrados cadáveres de mulheres violentadas, torturadas...”

Segundo Esther Chávez, essa situação é a repetição da de 1995: a polícia, na ocasião, prendeu um químico de origem egípcia, Abdel Latif Sharif Sharif e o acusou dos crimes. Pouco depois, capturou uma quadrilha de jovens delinqüentes, “Los Rebeldes”, supostos cúmplices de Sharif Sharif.

Bode expiatório
A mão-de-obra das fábricas da cidade é composta sobretudo por mulheres. São elas que sustentam as famílias, o que perturba as tradições machistas e patriarcais
Sharif Sharif continua preso na parte isolada da prisão de segurança máxima de Chihuahua, capital do Estado. Acusado do assassinato de uma adolescente, Elisabeth Castro García, foi condenado a 30 anos de reclusão, no final de um processo cheio de irregularidades, e que está sendo revisto. Quanto a suas ligações com “Los Rebeldes”, as autoridades nunca chegaram a estabelecê-las...

Usando o telefone da prisão, Sharif Sharif assumiu o risco de interpelar ao vivo, em 1999, o procurador-geral, que participava de um programa de televisão. Declarou sua inocência, afirmou a certeza de que era apenas um bode expiatório e desafiou o procurador a submetê-lo ao detector de mentiras. Furiosas, as autoridades colocaram o egípcio na solitária... Sua advogada, Irene Blanco, foi ameaçada de morte, mas não se deixou intimidar. Seu filho Eduardo foi alvo de um atentado e sobreviveu por milagre. Irene Blanco teve de abandonar a defesa de Sharif Sharif e deixou a cidade...

Dois matadores em série
Segundo o criminologista Oscar Máynez, pelo menos 60 assassinatos cometidos entre 1993 e 1999 foram planejados “segundo o mesmo padrão”. Considera que se trata de crimes executados por dois “matadores em série” diferentes. Em 1998, o famoso superdetetive norte-americano, Robert K. Ressler, especialista do FBI, inventor da expressão “serial killer” e da técnica de “perfilagem” dos matadores em série1 - que assessorou o filme O Silêncio dos inocentes, de Jonathan Demme -, veio a Ciudad Juárez investigar esses 300 crimes. Em seu relatório, Ressler afirmou que a maioria dos assassinatos de mulheres foi obra de dois serial killers que não seriam, segundo ele, mexicanos, mas muito provavelmente espanhóis... ou chicanos dos Estados Unidos. Em 1999, uma das maiores especialistas mundiais em criminologia, Candice Skrapec2, da Universidade da Califórnia, confirmou que cerca de 90 dos assassinatos haviam provavelmente sido cometidos por um ou dois matadores em série. Ela achava que Ángel Maturino Reséndez3, o célebre “assassino da estrada de ferro”, poderia ser um dos autores.

A onda de homicídios transformou essas matanças esporádicas numa verdadeira obsessão criminosa: indivíduos cometem assassinatos por puro desejo de imitação
Por que razão os cadáveres são desfigurados e mutilados? Por que razão uma tal brutalidade contra as vítimas, um tal sadismo bárbaro? Será que se trata de rituais satânicos? De orgias perversas de narcotraficantes? De vendedores de órgãos? De sacrifícios humanos para a filmagem de filmes-realidade (snuff movies) nos quais a vítima é violentada, torturada e morta diante da câmara? As questões se sucedem infinitamente, sem que nenhuma investigação séria traga respostas. Diversos depoimentos indicam que os assassinos teriam sido protegidos, num primeiro momento, pelos policiais de Chihuahua. Depois, teriam se beneficiado do apoio dos meios do poder ligados ao tráfico de drogas.

Conexões com máfias e com o governo
No final de 1999, cadáveres de mulheres e de meninas foram encontrados perto de fazendas pertencentes a traficantes de cocaína. Essa coincidência parecia estabelecer ligações entre os homicidas e a máfia dos traficantes, ela própria ligada à polícia e aos militares. Mas as autoridades recusaram-se a orientar o inquérito nessa direção.

Desde 1998, a Comissão Mexicana de Direitos Humanos (CMDH) emitiu recomendações a respeito dessas centenas de assassinatos de mulheres, aos quais o Estado deu muito pouca atenção. Um nome volta a aparecer com freqüência entre os suspeitos, o de Alejandro Máynez, que teria participado de uma quadrilha de criminosos, de receptadores e de traficantes de drogas e de jóias, e também membro de uma família rica, proprietária de casas noturnas. Nunca foi incomodado pela polícia.

Máynez, como outras pessoas suspeitas, estava, entre 1992 e 1998, sob a proteção do governador do Estado de Chihuahua, Francisco Barrio Terrazas, do Partido Ação Nacional (PAN). Durante o mandato deste último, os assassinatos de mulheres multiplicaram-se e se somaram à violência costumeira desse Estado, o mais violento do México. Na época, Barrio Terrazas declarou que esses assassinatos não tinham nada de surpreendente porque as vítimas passeavam em lugares escuros e usavam minissaias e outros trajes provocantes... Apesar disso, o presidente Vicente Fox4, eleito em dezembro de 2000, pelo PAN, nomeou Barrio Terrazas para a chefia do Ministério da Função Pública e Controle de Contas, cuja missão é “combater a corrupção e tornar transparente a gestão da administração pública”...

Vítimas operárias
É o reino dos brutamontes, dos perversos, dos psicopatas. Muitos dos jovens “machos” consideram que a violência contra as mulheres é um dever
Ciudad Juárez caracteriza-se por suas inúmeras fábricas terceirizadas, nas quais uma mão-de-obra de baixos salários monta produtos destinados à exportação. Vinda principalmente do interior do país, essa mão-de-obra é composta sobretudo por mulheres. São elas que sustentam as famílias, o que perturba as tradições machistas e patriarcais. Mergulhando no trabalho, as mulheres tentam fugir da pobreza.

A maioria das vítimas era de operárias, e foram surpreendidas enquanto iam para o trabalho ou voltavam para casa. Nos subúrbios, quadrilhas de delinqüentes e de toxicômanos as esperavam. Desde a década de 20, a cidade passou por uma fase de desenvolvimento do lazer noturno e do turismo. Aqui foi criado, em 1942, o célebre coquetel “Marguerita”. Os arredores da velha ponte internacional são totalmente dedicados aos prazeres: jogos, sexo, álcool. Essa atmosfera, em que o som dos aparelhos dos carros tocando bem alto músicas norte-americanas se mistura ao rock heavy metal, rap ou tecno, incentiva o consumo de entorpecentes. Isso leva também, aparentemente, ao crime. Pois a onda de homicídios produziu uma espécie de emulação misógina e transformou essas matanças esporádicas numa verdadeira obsessão criminosa: indivíduos ficam de tocaia, no escuro, e cometem assassinatos por puro desejo de imitação. É o reino dos brutamontes, dos perversos, dos psicopatas. Muitos dos jovens “machos” consideram que a violência contra as mulheres é um dever. Circulam de carro, à noite, em busca de uma presa...

Carrascos sádicos e psicopatas
Advogados, juízes, procuradores e jornalistas receberam ameaças de morte para dissuadi-los de prosseguirem em suas investigações sobre os homicídios de mulheres
Hester van Nierop, uma universitária holandesa de 18 anos, por exemplo, foi seqüestrada, em 20 de setembro de 1998. Doze horas mais tarde, seu cadáver foi encontrado debaixo da cama de um quarto do hotel Plaza. Tinha sido violentada, torturada e estrangulada.

Lilia Alejandra García Andrade, de 17 anos e mãe de dois filhos, desapareceu em 14 de fevereiro de 2001, ao sair da fábrica. Seu cadáver foi encontrado sete dias depois, num terreno baldio diante do centro comercial Plaza Juárez. Estava seminu e embrulhado num cobertor. A autópsia revelou que a adolescente fora morta em 19 de fevereiro. Antes de ser estrangulada, fora violentada, torturada e mutilada durante cinco dias...

Violeta Mabel Alvidrez Barrio, de 18 anos, foi seqüestrada em 4 de fevereiro de 2003. Seu cadáver foi encontrado, com o de duas outras moças, de 16 e 17 anos, quinze dias mais tarde. Mas sua morte só datava de três ou quatro dias, o que significa que ela permaneceu à mercê de carrascos sádicos e psicopatas durante mais de dez dias...

Desaparecimento de corpos
O procurador da República considera que todos esses homicídios são delitos comuns ou talvez ligados a traficantes de órgãos5. Há dois anos, um deputado de Ciudad Juárez confidenciava-me, preocupado: “Não me surpreenderia se o governador tivesse dado ordem, a um grupo da polícia judiciária, de se encarregar de ocultar esses assassinatos de mulheres”. Fazia alusão ao atual governador, Patricio Martínez, do Partido Revolucionário Institucional (PRI), que, em janeiro de 2001, foi, ele próprio, vítima de um atentado, e acusou a máfia local. A mulher que tentara matá-lo era uma ex-funcionária da polícia judiciária...

Maria Sáenz, da Comissão de Chihuahua Pró-Direitos Humanos, comunicou-me uma observação: antes de 2001, os cadáveres das vítimas violentadas e estranguladas eram sempre encontrados, mas desde que as investigações se multiplicaram, os corpos desapareciam, pura e simplesmente. As organizações recensearam cerca de 500 desaparecidas, enquanto os cadáveres encontrados mal ultrapassam o número de 300...

Nenhum vestígio
Os assassinatos em série misturam a atmosfera dúbia da fronteira e seus migrantes, suas indústrias terceirizadas, a falência das instituições e também a violência patriarcal
Fazer sumirem os corpos das mulheres assassinadas tornou-se uma especialidade da máfia local. O procedimento comum chama-se lechada: um líquido corrosivo, composto de cal viva e de ácidos, dissolve rapidamente carne e ossos sem deixar o mínimo vestígio. “Nenhum vestígio” é o código secreto. Reduzir a nada, fazer desaparecer, apagar, são as palavras-chave.

Em 6 de novembro de 2001, os corpos nus de três moças foram descobertos num campo de algodão, na periferia da cidade. Uma delas era menor, estava com as mãos amarradas nas costas e tinha sido degolada. No dia seguinte, ampliando as buscas, os restos mortais de cinco outras vítimas foram achados. Com pressa de encontrar os culpados, a polícia de Chihuahua prendeu dois indivíduos que, torturados, confessaram que eram os autores dos oito crimes. O procurador Arturo González Rascón anunciou que o caso estava resolvido. Sem que qualquer investigação tivesse, de fato, sido feita, submeteu os dois suspeitos a um procedimento penal. Em 14 de novembro, desprezando qualquer regra do direito e pressionado pela rua, um juiz cúmplice das autoridades locais emitiu um mandado de prisão. Entre a descoberta dos cadáveres e o ato judicial, uma semana apenas havia se passado. Durante esse tempo, os verdadeiros culpados permaneciam em liberdade.

Incrível desatenção policial
A série negra, portanto, continuou. Nesse dia mesmo, em 14 de novembro, dois outros cadáveres de moças foram encontrados: um no Motel Royal, outro na aldeia de Guerrero. Cinco dias mais tarde, no subúrbio da cidade, descobria-se o corpo seminu de uma outra mulher de 21 anos, Alma Nelly Osorio Bejarano, torturada e estrangulada.

Não existe qualquer registro que descreva as centenas de crimes de mulheres cometidos em Ciudad Juárez. As autoridades têm o hábito a abandonar muito depressa as buscas: mais de três meses depois da descoberta dos cadáveres das oito mulheres num campo de algodão, pessoas que passavam pelo local encontraram roupas e objetos pertencentes às vítimas... O que revela a incrível desatenção dos policiais. O governador Patricio Martínez lamentou a inação de seu predecessor Francisco Barrio Terrazas, que só teria deixado “sacos de ossos” e “nenhum dossiê sobre os casos dos assassinatos”. Mas teria ele próprio agido melhor?

Acusação de inocentes
Este caso tenebroso revela a onipotência dos narcotraficantes. As ligações entre o meio criminal e os poderes econômico e político são uma ameaça para todo o México
As autoridades declaram que, de 1992 a 1998, doze casos de “assassinatos em série de mulheres” e 99 casos de “crimes comuns” (passionais, sexuais, familiares, vinganças, acertos de contas, ligados ao tráfico de drogas, cometidos no momento de roubos, de rixas ou por motivos desconhecidos) foram “resolvidos”. De outubro de 1998 a fevereiro de 2002, foram cometidos 20 “assassinatos em série de mulheres” e 71 “assassinatos comuns”. Quanto aos primeiros, 15 estariam “praticamente resolvidos” e cinco com a investigação em curso; quanto aos segundos, 53 teriam sido “elucidados” e 18 estariam “quase” resolvidos...

Mas será que se pode acreditar nas autoridades? É preciso lembrar que as expressões “assassinatos resolvidos” ou “sendo resolvidos” são mentirosas, pois se trata apenas de interrogatórios de pessoas “em prisão preventiva”. A estratégia dos diferentes governadores para “resolver” os assassinatos em série de mulheres em Ciudad Juárez levou a uma seqüência de manipulações e dissimulações que consiste em acusar inocentes, como foi o caso dos dois acusados dos oito assassinatos de 6 de novembro de 2001.

Intimidações à oposição
Outro método das autoridades é mandar assassinar os que assumem a defesa dos falsos culpados. O advogado Mario César Escobedo Anaya também foi assassinado por um comando que admitiu os fatos e, no entanto, foi dispensado, sob o pretexto de que “defendia” agentes da polícia judiciária do Estado de Chihuahua, cujo chefe, o comandante Alejandro Castro Valles, tinha o hábito de prender sem mandado e torturar inocentes...

Advogados, juízes, procuradores e jornalistas receberam ameaças de morte para dissuadi-los de prosseguirem em suas investigações sobre os homicídios de mulheres. Alguns opositores do governador Patricio Martínez também foram ameaçados, para que parassem de protestar, como é o caso das militantes Esther Chávez Cano e Victoria Caraveo, ou ainda o criminologista Oscar Máynez.

Mortes em orgias sexuais
Seis grandes empresários financiariam matadores de aluguel encarregados de raptar mulheres e trazê-las até eles para violentá-las, mutilá-las e matá-las
Os assassinatos em série de Ciudad Juárez misturam a atmosfera dúbia da fronteira e seus milhares de migrantes, suas indústrias terceirizadas, a falência das instituições e também a violência patriarcal, a desigualdade, a negligência do governo federal etc. Mas, acima de tudo, esse caso tenebroso revela a onipotência dos narcotraficantes e a solidez de suas redes de influência. As ligações entre o meio criminal e os poderes econômico e político são uma ameaça para todo o México.

Os documentos e os depoimentos de que disponho são acusadores para as autoridades. Provam que certos assassinatos de mulheres foram cometidos em orgias sexuais por um ou vários grupos de indivíduos, dentre os quais assassinos protegidos por funcionários de diferentes corporações policiais, em cumplicidade com pessoas das altas esferas que controlam fortunas – na maioria das vezes adquiridas ilegalmente, graças à droga e ao contrabando – e cuja rede de influência se estende como um polvo por todo o país. É por isso que esses crimes odiosos desfrutam de semelhante impunidade.

Assassinatos por farra
De acordo com fontes federais, seis grandes empresários de El Paso, no Estado do Texas, de Ciudad Juárez e de Tijuana financiariam matadores de aluguel encarregados de raptar mulheres e trazê-las até eles para violentá-las, mutilá-las e matá-las6. O perfil criminológico desses assassinatos estaria próximo do que Robert K. Ressler chamou de “assassinatos por farra” (spree murders). As autoridades mexicanas estariam a par dessas atividades há muito tempo e se recusariam a intervir. Esses ricos empresários seriam amigos de certos amigos do presidente Vicente Fox. E teriam contribuído para o financiamento oculto da campanha eleitoral que permitiu a Fox ser eleito à Presidência, e a Francisco Barrio Terrazas, ex-governador de Chihuahua, tornar-se ministro. Isso explicaria a razão pela qual nunca qualquer real culpado tenha sido incomodado pela polícia por causa desses 300 assassinatos em série...

E os homicídios continuam. Neste momento, uma mulher talvez esteja sendo morta por tortura em Ciudad Juárez...

(Trad.: Regina Salgado Campos)

1 - Ler, de Robert K Ressler, Chasseur de tueurs, ed. Presses de la Cité, Paris, 1993 (tradução de Whoever Fights Monsters, ed. St. Martin’s Press, Nova York, 1992).
2 - http://www.fresnostatenews.com/2001/December/RecognitionTech.htm#BIO
3 - Ángel Maturino Resendez, nascido em 1960 e apelidado pela imprensa dos Estados Unidos de The Railroad Killer, é o autor de, pelo menos, onze assassinatos em série. Foi preso em julho de 1999, no Texas, e, em maio de 2000, foi condenado à morte. Sua mãe morava em Ciudad Juárez, para onde teria ido com freqüência.
4 - O presidente Fox pediu ainda, em 8 de março de 2003, que fosse esclarecido tudo sobre os homicídios de mulheres em Ciudad Juárez, e que os culpados fossem punidos. Ver o site: http://www.almargen.com.mx/pdi/homicidios/peticionfox.htm
5 - Ver o site: http://www.siliconvalley.com/mld/nuevomundo/5817861.htm
6 - Ver o site: http://old.clarin.com/diario/2002/09/23/i-02201.htm

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