O perdão após o sofrimento pode espantar os leigos, mas não surpreende quem lida com a dor de mulheres vítimas de agressão doméstica. “É difícil para as mulheres saírem desse ciclo”, comenta a psicóloga Luciana Villela, da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.
Nem mesmo a família entende a reação. O pai da assistente social Luciana Lopo, torturada pelo professor de educação física Adalberto França Araújo Filho na casa onde moravam em Vilas do Atlântico, no dia 26 de junho, não escondeu a preocupação com o depoimento da filha.
“Ela aliviou para o lado dele. Ele, pelo contrário, procurou denegrir a imagem dela, afirmando que ela se insinuava para outros homens. E ela aqui nessa situação, preocupada com a filha dele”, afirmou o industriário Roberto Lopo.
Ciclo
A dor das feridas ou da humilhação, por vezes, não é suficiente para superar a combinação entre baixa autoestima e autênticos laços afetivos. Para especialistas, é possível estabelecer um padrão de comportamento nas mulheres em situação de violência.
Segundo pesquisa da Vara de Violência Contra a mulher, 60% das mulheres vítimas de violência conviviam com as agressões do companheiro há mais de um ano.
A sabedoria popular acerta ao afirmar que “no começo tudo são flores”. Nessa fase, o casal vive em harmonia. Então, fatores imponderáveis - como o perfil psicológico e o histórico dos amantes - entram em cena. Mas o ciúme é quase sempre o estopim. “Começa com uma coisa mínima, proibição de uma roupa, um batom, até a proibição da vida social. A mulher com autoestima baixa entende o ciúme erradamente como uma manifestação de amor, e isso vai crescendo até chegar na violência física”, alerta a psicóloga Luciana.
As agressões motivadas pelo ciúme ajudam a reduzir a autoestima da mulher, o que torna mais difícil para ela romper o relacionamento. Após a agressão, é comum o homem vir com promessas: “Nunca mais eu faço isso” ou “foi a bebida”.
Se for perdoado, a mulher corre o risco de retornar ao primeiro ponto do ciclo e está sujeita a se submeter novamente às mesmas experiências. “Muitas vezes o homem é um bom pai, bom cidadão, tem amigos, apesar da violência contra a mulher”, conta Luciana.
Aumenta número de denúncias
A Bahia lidera o ranking no Nordeste em número de denúncias de violência contra a mulher recebidas através da Central de Atendimento à Mulher (180). O estado responde por 38,41% dos atendimentos, com um total de 9.887 denúncias.
Três anos após a aprovação da Lei Maria da Penha, criada para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, dados da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam) de Brotas apontam o crescimento do número de ocorrências.
No ano passado, foram registrados 87 flagrantes, e este ano o número já é 107 só nos sete primeiros meses. Cresceu também o número de medidas protetivas destinadas a mulheres agredidas, de 79 em todo o ano de 2008, para 154 até julho deste ano. O crime de ameaça é a ocorrência com maior número de registros este ano (1.819), seguido por lesão corporal (1.723).
Metade das vítimas perdoa agressores, segundo a Deam
Segundo a titular da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Aída Burgos, metade das mulheres perdoa os agressores ou atenua a violência. 'Perdoa pela questão do sentimento. Ela gosta, ama ou é pai dos filhos dela, existe ainda a questão da dependência econômica', reforça.
“Há também o medo que as vítimas sentem do agressor, além da vergonha pela exposição social”, justifica a juíza da Vara de Violência Contra a Mulher de Salvador, Márcia Nunes Lisboa. A juíza calcula que 30% das vítimas do crime de ameaça desistam de prosseguir com a ação penal.
A assistente social Luciana Lopo, 31, torturada pelo professor Adalberto França Araújo Filho, 39, afirmou em depoimento à polícia que não quer que ele seja preso por conta da filha de 6 anos que ele tem com outra mulher.
Reação é mais comum nas primeiras agressões
É mais fácil a reação da mulher nas primeiras tentativas de agressão, já que, depois de um longo período de constrangimento, a autoestima desaparece. A avaliação é da biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que deu nome à lei que pune a violência doméstica. Ela lutou por 20 anos pela prisão de seu agressor e inspirou a lei.
Felipe Amorim e Mariana Rios | Redação CORREIO
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