quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Criminosos:saídas temporárias não são monitoradas

Crimes hediondos praticados por prisioneiros beneficiados por saídas temporárias já estão virando estatística. O Dia das Crianças se aproxima como mais uma data festiva que pode colocar nas ruas pessoas sem a menor aptidão para o convívio social. Os críticos querem evitar a todo custo que o benefício se transforme em um mero mecanismo para esvaziar as cadeias. Propostas no Congresso visam criar leis para passar o ferrolho nos portões das penitenciárias, mas a crise no sistema carcerário brasileiro – com rebeliões violentas e delegacias superlotadas – mostra que o problema necessita de uma solução mais efetiva.

A juíza Andremara dos Santos, 44 anos, titular da Vara de Execuções Penais de Salvador, falou com exclusividade à Tribuna da Bahia sobre a enorme responsabilidade de coordenar o Mutirão Carcerário, que visa justamente acelerar o andamento dos processos emperrados nos cartórios. Ao mesmo tempo, explicou suas ideias para desenvolver uma maior integração entre a Secretaria de Segurança Pública (SSP) e a própria Justiça. Andremara propõe a criação de uma central de informações integrada, já que não existe um acompanhamento efetivo ao preso que é solto temporariamente. E o que é pior: muitos juízes desconhecem que estão libertando detentos que já cometeram crimes durante saídas anteriores.

Tribuna da Bahia – Por que as saídas provisórias dos presos estão aumentando a criminalidade?

Andremara dos Santos – O problema é que a Justiça e a Polícia não funcionam como um sistema integrado. Nós não temos um sistema próprio de troca de informações. Eu tenho batido nessa tecla inúmeras vezes: falta monitoramento dos detentos nas saídas temporárias. A verdade é que a coisa ainda é feita de maneira muito precária. No ano passado, elaborei um relatório e enviei para todas às autoridades competentes. Muita coisa já saiu da instância burocrática e chegou até a prática, mas ainda há muito que caminhar. Talvez agora, em outubro, o Tribunal instale um sistema novo, virtual, para que os juízes possam acompanhar os processos à distância. Isso é fundamental. Já verifiquei um caso de uma pessoa que ia ser solta por bom comportamento, mas acabei constatando através do site do Ministério da Justiça que esse cidadão já tinha sido condenado por 7 crimes no D. F., e sua pena já acumulava mais de 38 anos.

T.B. – Falta cooperação entre a Polícia e a Justiça?

As – É preciso que a Secretaria de Segurança Pública (SSP) confirme a adesão ao Termo de Cooperação para utilizar o “Infopen” (Sistema de Informação Penitenciária), um programa carcerário nacional que a Secretaria de Justiça já está utilizando. Assim, a ficha policial de uma pessoa presa em qualquer parte do Brasil entraria imediatamente no sistema integrado. O Infopen pode ainda liberar recursos para sanar as deficiências dos estados que manifestem adesão ao programa.

T.B – Como esse descompasso dificulta seu trabalho?

As – Eu não tenho acesso ao Sistema de Recursos da Secretaria de Justiça, você acredita? Só me fornecem dados sobre a Penitenciária Lemos Brito. De que me serve essa informação, se o preso é transferido para outra comarca sem meu conhecimento ou anuência? Como isso é possível, se o processo está em minhas mãos e eu não autorizei? O juiz baseia suas sentenças no que o sistema informa. Falta esse acesso, essa troca. Parte dessa responsabilidade também é nossa, é necessário frisar, já que a Polícia também não tinha acesso à Vara de Execuções Penais. Quando comecei meu trabalho, em 2007, as pessoas presumiam que todo processo deveria correr em segredo de Justiça. Até o pessoal da informática desconhecia: “Mas Dra., pode liberar?”. Mais uma vez, falta atuar como um sistema integrado. Assim, os advogados também podem acompanhar decisões sem ter que vir pessoalmente à Vara de Execuções Penais.

T.B. – Qual a solução mais viável?

As – Fazer com que os órgãos interajam em nome de um fim comum a todos. A Secretaria de Justiça já assumiu o Infopen, e nos deu até a senha de entrada, embora não nos tenha dado acesso ao sistema de reclusos. E a SSP? Se a SSP aderisse, o sistema estaria fechado. A SSP nos permitiu acesso ao site do Centro de Estatísticas da Polícia (Cedep), mas o portal está desatualizado. Eles estão desenvolvendo um sistema próprio, importado, caro, que está demorando muito a entrar em operação, enquanto o Infopen é de graça e ainda recebe auxílio do governo. Se a SSP aderisse ao programa, teríamos um sistema integrado completo, com nomes, apelidos, processos a que respondem os presos, detalhes físicos, cicatrizes, tatuagens, todos os dados de todas as pessoas detidas... Esse seria realmente um sistema orgânico. Nós, Estado, precisamos nos organizar para promover essa integração. Os sistemas da SSP e do Infopen não são incompatíveis, e só viriam a complementar os dados uns dos outros.


T.B. – Muita gente se refere às saídas temporárias como indultos. Quais as diferenças?

As - As pessoas confundem as duas coisas; vejo toda hora na televisão: indulto, indulto, indulto... É um erro. Indulto significa um perdão, que em nosso regime só pode ser concedido pelo presidente da República. O indulto pode ser total ou parcial, trazendo apenas um abatimento da pena. Trata-se de outra coisa. Até as autoridades estão usando o termo errado. Quando não se referem ao benefício como “liberdade provisória”, o que é outro erro. Nesse caso, a pessoa ainda nem foi julgada...


T.B. – A Defensoria Pública da Bahia é eficaz?

As - As defensorias públicas ainda estão sendo instaladas nos estados brasileiros... Paraná ainda não tem, por exemplo. Na Bahia, nós contamos com cerca de 200 defensores para cobrir todo o Estado, então, a situação é apertada. A maioria dos casos está em Salvador e poucas cidades do interior têm essa assistência. Um grande entrave é que muitos crimes não são aceitos por advogados em certos municípios, porque sabem que perderiam clientes caso defendessem um criminoso hediondo, por exemplo.

T.B. – Quais as metas do Mutirão Carcerário?

As - A Vara de execuções Penais de Salvador quer examinar todos os processos de réus que estão presos na Comarca. E principalmente expedir o “Atestado de Pena a Cumprir”, que é um direito deles e um dever do Estado, para que as obrigações e os prazos de cada processo fiquem claros.

T.B - Quais as possibilidades de abrandamento de pena no Brasil?

As – Desde março de 2007, o Legislativo decidiu que a progressão para as penas envolvendo crimes hediondos seria possível, baseada em decisão judicial e no cumprimento de, pelo menos, dois quintos da pena (para o réu primário), e três quintos (para os reincidentes). Nesse regime, o condenado tem o privilégio da saída temporária, que é um benefício que visa reconstruir a ressocialização: visitar a família, ir à escola, etc. O detento tem direito de sair 5 vezes por ano, por até 7 dias, em datas relevantes como Natal e Dia das Mães, para que possa retomar os laços do convívio social. Além disso, ele pode estudar ou trabalhar durante o dia, contanto que volte à noite para dormir na penitenciária.



Hélio Rocha/Tribuna da Bahia

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