terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Programa de Direitos Humanos:crise instalada.

BRASÍLIA - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva reuniu segunda-feira, primeiro dia de retomada da agenda oficial após dez dias de férias, a equipe de coordenação política do governo para discutir os planos do governo federal para 2010. Apesar da polêmica sobre o 3º Programa Nacional de Direitos Humanos, lançado pelo governo no final do ano passado, o assunto não foi discutido por Lula durante a reunião tendo em vista que os ministros Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e Nelson Jobim (Defesa), principais figuras da crise instalada por causa das diretrizes previstas no programa, sequer participaram do encontro. Segundo interlocutores que estiveram na reunião, Lula teria adiado a discussão sobre o tema.

Os dois ministros não costumam participar da reunião de coordenação e o presidente também não os convidou para a de segunda-feira. Lula deve se reunir com eles nos próximos dias para discutir o impasse, e a expectativa é que o presidente volte a enquadrar os ministros para que estes não troquem farpas publicamente.

O ministro da Justiça, Tarso Genro (Justiça), outro que tradicionalmente participa das reuniões de coordenação política e também é constantemente envolvido nas discussões sobre a punição para agentes da ditadura militar, um dos pontos mais nevrálgicos do programa, não esteve presente no encontro por estar de férias. Além de Tarso, os ministros Guido Mantega (Fazenda) e Paulo Bernardo (Planejamento) também não participaram da reunião de coordenação por estarem de recesso de suas atividades no Executivo.

A polêmica sobre o Programa de Direitos Humanos teve início no final do ano passado, quando os comandantes do Exército, general Enzo Martins Peri, e da Aeronáutica, brigadeiro Juniti Saito, ameaçaram pedir demissão caso Lula não revogasse o trecho do programa que cria a Comissão da Verdade para apurar torturas e desaparecimentos durante o regime militar (1964-1985). Vannuchi, por outro lado, também ameaça entregar o cargo se Lula recuar no teor do programa. Nos bastidores, a expectativa é de que Lula ceda às pressões da área militar e evite manter no programa qualquer item que possa afrontar a atual lei de anistia. Segundo interlocutores do Palácio do Planalto, Lula já estaria convencido de que a questão da punição para torturadores agora está nas mãos do Supremo Tribunal Federal.

Segunda-feira, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, voltou a defender o programa que, entre outras medidas, sugere alterações nos procedimentos para o cumprimento de reintegrações de posses de áreas invadidas. Cassel disse que não entende a reação de “setores localizados” ao PNDH-3, já que a proposta, segundo ele, foi amplamente discutida e assinada por todos os ministérios.

– Eu defendo o plano. É correto. Especialmente nas questões rurais, pois todas as suas ações induzem a soluções negociadas para se resolver os conflitos – declarou Cassel, reafirmando que o Ministério da Agricultura, pasta comandada por um dos críticos do programa, Reinhold Stephanes, também deu o aval para as medidas que o plano prevê para o setor rural. – A informação que eu tenho é a de que existe, sim, uma assinatura do secretário-executivo do Ministério da Agricultura. (Com agências)

Brasil pode ser denunciado em cortes internacionais

Se a terceira edição do Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH3) for revista, o Brasil poderá ser novamente denunciado às cortes internacionais de direitos humanos pela impunidade dos autores de crimes ocorridos durante o regime militar (1964-1985). A organização não governamental (ONG) Justiça Global informou segunda-feira que irá recorrer à Organização dos Estados Americanos (OEA) e à Organização das Nações Unidas (ONU).

– A revisão ou a suspensão do decreto permite acionar os organismos internacionais – afirmou a diretora executiva da ONG, Andressa Caldas.

Referindo-se à ameaça de demissão que teria sido feita pelo ministro da Defesa, Nelson Jobim, e pelos comandantes militares, Andressa disse que seria um “fato gravíssimo”o novo PNDH ser alterado por “chantagem”. Em março do ano passado, a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ligada à OEA, foi acionada por causa de um processo iniciado em 1982 sobre o desaparecimento de 70 pessoas que participaram da Guerrilha do Araguaia.

Outros setores de dentro e fora do governo também saíram em defesa do programa segunda-feira. O deputado Pedro Wilson (PT-GO), da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, informou segunda-feira que a comissão deve se reunir extraordinariamente até quinta-feira para tratar da repercussão do programa. Segundo o petista, a criação da Comissão da Verdade, uma das medidas previstas no plano, seria “fundamental para o Brasil se reconciliar com a história”.

Já o coordenador da ONG Terra de Direitos, Darci Frigo, que também participou da elaboração do PNDH 3, acusou os setores que agora se opõem ao programa de não darem a atenção devida ao processo democrático de participação da Conferência Nacional de Direitos Humanos, evento promovido pelo governo com a participação de entidades da sociedade civil no qual foram formuladas as principais propostas do plano.

– A democracia brasileira só será uma democracia substantiva se ela se colocar em paz com a própria história. A sociedade precisa saber.

Crimes

A Central Única dos Trabalhadores (CUT) também manifestou apoio ao ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi. A exemplo de nota emitida pela Ordem dos Advogados do Brasil, quando o presidente nacional da entidade defendeu a investigação e a punição de torturadores da ditadura militar, a nota divulgada segunda-feira pela CUT afirma que o programa “suscita a investigação da verdade e da justiça sobre os crimes de lesa-humanidade cometidos por agentes de Estado”.

“Os defensores da tortura alegam que os dois lados em conflito deveriam ser investigados. Acontece que os opositores da ditadura militar já foram punidos, com sequestros, cárceres clandestinos, estupros, mortes, 'desaparecimentos', prisões, torturas e exílios forçados. Mesmo dentro das leis do regime de exceção, foram cometidos crimes de lesa-humanidade que nunca foram investigados”, afirma a nota que ainda destaca: “O Brasil é o único país da América Latina que ainda não julgou seus torturadores”.

Ainda segundo a nota da CUT, o programa deu origem a “um debate importante na sociedade brasileira”: “Essas propostas alteram o status quo de quem advoga a manutenção do silêncio. Nos países que têm essa mácula, isso é mais um direito, é um desejo legitimo da sociedade e deve ser implementado pelo Estado.”

A CUT ainda afirma em sua nota que a oposição ao programa de direitos humanos é realizada por aqueles que tentam “banalizar a tortura e favorecer a continuidade da violência dos agentes de Estado contra a população pobre e dos movimentos sociais no país”.

23:39 - 11/01/2010
Jornal do Brasil

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