Ilha Grande, Frei Caneca, Bangu, Penitenciária de São Paulo, Presídio Tiradentes: esses foram alguns dos endereços do Padre Alípio de Freitas, português, nos duros anos da ditadura militar. Em 1963, o Padre Alípio foi condenado a seis anos de prisão. Depois, esteve exilado no México. Em 1965, retornou ao Brasil sendo condenado a mais 24 anos de reclusão, dos quais cumpriu 14, até ser libertado, em fevereiro de 1979. Além das prisões, Padre Alípio sofreu torturas físicas e psicológicas inimagináveis e perdeu a cidadania brasileira. Hoje vive em Portugal, onde ajudou a construir a Casa da Amizade Brasil-Portugal.
Pois no dia 26 de setembro, na sede da CNBB, em Brasília, finalmente as injustiças praticadas contra o Padre Alípio foram reparadas. Ele foi um dos religiosos julgados pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça que, desde abril, vem realizando sessões itinerantes. A "Caravana da Anistia" faz parte do Projeto Educativo "Anistia Política: Educação para a Cidadania, Democracia e Direitos Humanos". Desde abril, já foram julgados 185 processos no Rio de Janeiro, em São Domingos do Araguaia (PA), São Paulo, Curitiba, Goiânia, Caxias do Sul, Salvador, Maceió, São Bernardo do Campo e Brasília.
O julgamento realizado no auditório D. Helder Câmara, da Confederação Nacional de Bispos do Brasil (CNBB), em Brasília, também envolveu a participação do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (Conic); da Conferência Nacional dos Religiosos do Brasil (CRB); da Igreja Metodista e da Comissão Brasileira de Justiça e Paz (CBJP).
Mais importante do que nomear as inúmeras autoridades presentes, de ministros a cardeais, é lembrar-se daqueles que tiveram a sua memória reparada: o arcebispo Marcelo Pinto Carvalheira; o padre Alípio de Freitas; a ex-diretora da Coordenadoria Ecumênica de Serviço Eliana Rolemberg; Frederick Morris – o pastor Fred; e seu amigo Alanir Cardoso; o ex-deputado Nilmário de Miranda; o antigo militante do Movimento de Educação de Base (MEB), ligado à Igreja Católica, Roberto Mendes; as irmãs, Helena e Helder Soares; o padre Peter John Mc Carthy; a militante estudantil Elia Meneses Rola; o ex-militante da Juventude Universitária Católica, Ruy Frasão Soares, desaparecido político, provavelmente morto pela repressão, na cerimônia representado por Felícia de Moraes Soares.
Padre Alípio de Freitas, português nascido em Bragança, se tornou sacerdote em 1953, vindo para o Brasil em 1957. Foi professor de História e de Filosofia na Universidade de São Luís (atualmente Universidade do Maranhão). No tribunal, em Brasília, foi defendido pelo advogado André de Paula, católico praticante, dedicado às causas sociais e um ativo militante do Fórum Nacional contra a Privatização do Petróleo e Gás. André comemorou a vitória, em que a reparação financeira foi feita – o padre receberá o equivalente ao salário de professor universitário, função que exercia quando foi preso, retroativo à data da primeira condenação. O mais significativo, no entanto, foi a reparação moral:
"O padre Alípio vai recuperar a cidadania brasileira" – contou André, exultante, ao regressar de Brasília. No Brasil, ele foi perseguido, condenado e torturado por ter sido um dos fundadores das Ligas Camponesas, ao lado de Francisco Julião, e também por sua luta em favor da independência das colônias portuguesas, na década de 1960. Em sua casa, no Catete, no Rio, ele abrigou lideranças do MPLA – Movimento pela Libertação de Angola (MPLA). Em seu livro "Resistir é preciso", editado pela Record (1981), narra com detalhes torturas às quais ele e outros companheiros foram submetidos.
"Padre Alípio de Freitas" é também o nome de uma das ocupações urbanas lideradas pela Frente Internacionalista dos Sem Teto (Fist). A ocupação fica na Rua da Relação, no Rio, em frente ao antigo DOPS. O nome não foi escolhido por acaso. A homenagem é uma forma de exorcizar os horrores por que passaram Alípio e tantos outros nas dependências do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), criado no Estado Novo.
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