sexta-feira, 30 de novembro de 2007

AUTORIDADES AINDA DESRESPEITAM A LEI MARIA DA PENHA.



Em 23/11/2007 por Luiza Erundina

Por cinco anos consecutivos, realiza-se no Brasil, a Campanha 16 Dias de Ativismo pelo Fim da Violência contra as Mulheres, em parceria entre AGENDE (Ações em Gênero, Cidadania e Desenvolvimento) e a Bancada Feminina do Congresso Nacional, além de outras entidades de mulheres.

Referida Campanha acontece há 17 anos, em 135 países, no período de 25 de novembro a 10 de dezembro, com o apoio da ONU, sendo que, em nosso país, é antecipada para 20 de novembro, “Dia da Consciência Negra”, marco da luta de resistência dos negros à escravidão e pela liberdade.

A Campanha, este ano, tem como motivação o primeiro ano de vigência da Lei Maria da Penha, ensejando, assim, a avaliação de sua implementação e a reflexão, por parte dos agentes públicos, dos setores organizados da sociedade civil e, particularmente, dos movimentos de mulheres, feministas e de direitos humanos, sobre seus papéis na aplicação desse importante instituto legal e para sua eficácia na prevenção e no combate à violência contra as mulheres.

Para alguns, como a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, é positivo o balanço do primeiro ano de implantação da Lei, sobretudo, segundo ela, pelo fato de que o tema da violência contra a mulher saiu da invisibilidade e hoje faz parte da agenda da sociedade. Reconhece, entretanto, que ainda há enormes desafios e dificuldades a superar, diante de uma estrutura social machista e patriarcal, raiz da violência de gênero.

Por outro lado, há os que consideram não haver muito a comemorar, como defende Maria Berenice Dias, desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que em artigo publicado pela Folha de São Paulo, de 22/09/2007, critica, entre outros aspectos, o fato de não ter sido fixado prazo para a instalação das Varas da Violência Doméstica, que considera indispensáveis à efetiva aplicação da Lei Maria da Penha.

Além disso, denuncia que as 42 medidas previstas na Lei e atribuídas a diversos órgãos públicos e entidades não-governamentais, não estão sendo implementadas, sob a alegação da falta de recursos. Afirma, ainda, que, “após um ano de vigência da Lei Maria da Penha, a violência doméstica permanece invisível e que as mulheres continuam com medo e sem proteção”.

Outrossim, fatos recentes, registrados pela mídia nacional, demonstram que a triste realidade que a Lei Maria da Penha veio para reverter continua inalterada, ou seja, mantém-se o absoluto descaso com relação à violência doméstica contra a mulher.

O mais grave deles foi o protagonizado pelo juiz de Sete Lagoas (MG) Edilson Rodrigues que, não só considerou inconstitucional a Lei Maria da Penha, mas também como “um conjunto de regras diabólicas” e acrescentou que “a desgraça humana começou por causa da mulher”.

O escárnio do juiz contra as mulheres foi além, ao rejeitar dezenas de pedidos de medidas contra homens que agrediram suas companheiras, declarando em suas sentenças que “a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, (...) mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e fragilidade emocional do homem (...). O mundo é masculino”.

Tamanha sandice e obscurantismo demonstrado por um magistrado, um operador do direito, em pleno século XXI, é difícil de acreditar. Mas o terrível, o trágico, é que, provavelmente, não seja o único a pensar e a agir de forma tão preconceituosa, discriminatória e violenta contra as mulheres a quem a Lei veio para proteger. Em todos os casos que julgou, o juiz negou a vigência da Lei em sua comarca, que abrange oito municípios da região metropolitana de Belo Horizonte com aproximadamente 250 mil habitantes.

Outro fato estarrecedor e tremendamente preconceituoso contra a mulher e, no caso, a mulher pobre, diz respeito à lamentável declaração do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral Filho (PMDB), ao defender a legalização do aborto como forma de conter a violência no Estado, afirmando que as taxas de fertilidade de mães que moram em favelas são uma “fábrica de produzir marginal”. Ora, se declarações infelizes como essas são, por si mesmas, absolutamente intoleráveis, tanto mais vindas de autoridade que tem a responsabilidade de defender idéias e assumir posições que sejam referência para a sociedade.

Trata-se, nos casos, tanto do juiz como do governador, de indisfarsável desrespeito e de violência contra a mulher, sendo que o cumprimento da Lei depende, principalmente, das instituições que essas autoridades representam. Cabe também à sociedade contribuir para a disseminação da Lei, ao mesmo tempo em que os movimentos de mulheres e feministas pressionem e exija sua aplicação.

Certamente, a Campanha 16 Dias de Ativismo contribui para envolver sempre mais a sociedade no enfrentamento da violência contra as mulheres, exigindo dos Poderes do Estado o cumprimento de suas responsabilidades na eliminação da violência de gênero e no respeito aos direitos humanos das mulheres, sem o que não teremos uma nação verdadeiramente democrática.

*Luíza Erundina é deputada federal pelo PSB/SP

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