quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Laerte Braga escreve:"OS BANDIDOS ESTÃO VENCENDO – I

OS BANDIDOS ESTÃO VENCENDO – I

(AS BRUMAS DE CFT)



Laerte Braga





O SER





“Per omnia saecula saecolurum amen”. É uma das mais belas músicas compostas por Miguel Gustavo, gravada por Carminha Mascarenhas e que chegou a freqüentar as antigas paradas de sucesso por conta de antigos discotecários que insistiam em músicas de boa qualidade. Isso num tempo em que músicas de boa qualidade prevaleciam sobre as mercadorias vapt vutp de hoje.



A letra fala do cidadão comum que levanta, trabalha, come e não vive. Repete como obrigação diária toda a ilusão que viver é estar num mundo “real”, onde a única realidade é a permanente e constante alienação. O ser transformado em coisa, em objeto.



Tem sido assim ao longo dos séculos. Desde a constatação feita pelo primeiro esperto que virou rei, chamou o primeiro inteligente que virou sacerdote e deram a borduna ao primeiro boçal que virou polícia. Quem discordasse do toque de corneta ou da “realidade” do rei e do sacerdote, a borduna para enquadrar.



A coisa sofisticou-se. O rei agregou toda a nobreza numa complexidade sem tamanho, espécie de dragão devorador. Os sacerdotes criaram várias interpretações e deuses próprios para cada situação e dízimo. A borduna ganhou contornos vários. Desde a borduna em si até a borduna televisão. Formadores do monte de outdoors vivos que caminha pelas ruas vendendo as marcas dos senhores da verdade única e absoluta.



E criaram bordunas especiais em forma de pílulas mágicas para ensinar cada um a ser “feliz”. Fizeram pior ainda. Imensas latas de lixo onde são despejados dejetos com contornos de seres humanos. A data de validade esgotada. Os personal trainers da “realidade” vazia e oca não conseguem consertar e nem toda a cirurgia plástica tem peças de reposição.



Os bandidos estão vencendo. Melhor seria dizer, continuam vencendo.



O grande desafio do ser humano é vencer o autoritarismo da verdade absoluta. Encontrar jardins e flores, por mais prosaico e idiota que possa parecer. Os donos criaram a sensação que roseiras são adereços e não têm importância alguma. Que lágrimas são fraquejar num mundo de “fortes.” Talvez só percebam a roseira solitária quando não mais restarem rosas. Só espinhos.



Importantes são os “deveres” que têm que ser cumpridos todos os dias, com chuva ou sol, quaisquer que sejam as dores e suas dimensões. Abra um sorriso antes que a máquina engula você e triture num triturador final. Carne moída de terceira, cheia de todo aquele sebo que vai para aterros sanitários de onde se pode ouvir os gritos de socorro, mesmo abafados pela tentativa desesperada de resgatar o ingrediente gente.



O palhaço não é sempre aquela alegria que se reproduz no picadeiro. Pode ser o “guiso falso da alegria” na tristeza dos bastidores. Assim como o ser no sorriso estampado dos dentes clareados e dos cremes dentais que protegem e evitam cáries e na dor oculta do não ser nada além de máquina, mesmo se achando e querendo ser gente.



É o grande irmão que nem Orwell pode imaginar com tanta precisão. É que carregava a ingenuidade dos seres pensantes e concebeu esse olho que se põe sobre todos em páginas simples, mas proféticas.



Não foi por acaso de Haldous Huxley escreveu “O admirável mundo novo” e “A ilha”. O desespero e o sonho. E nem acaso que a mescalina lhe tenha proporcionado tais visões.



Drogas?



Você já tentou parar e pensar que a televisão é a mais poderosa e devastadora das drogas criadas pelos traficantes de poder, de dinheiro? O vício e a escravidão numa “realidade” estúpida que lhe impede de abraçar e compartilhar, pois sucesso e vitória são competir e eliminar?



Viver ou sobreviver?



Baixe os olhos. Tenha vergonha. De que? Do amor? Do chorar? Do querer?



Sorria. De que? Do ato de levantar, comer, trabalhar, comer, entupir-se de pílulas mágicas e dormir o pesadelo do cansaço de um vazio sem tamanho, pois a alma lhe foi retirada?



O grande desafio do ser humano hoje é enfrentar essa máquina infernal chamada mídia. A que dá o tom da roupa do trabalho, do sapato do trabalho, da comida a ser ingerida, do modo de vida a ser vivido e como num desses brinquedos de parques de diversões vira e revira cada ser, entrando nas entranhas e despejando todo o lixo do mundo dos donos.



Lixo colorido e de muitos designs.



Acorda Zé. Acorda Maria. Não adianta estar no centro de um palco ilusório, não importa se circo de Moscou ou circo mambembe.



A vida não é isso e nem foi criada para isso.



Os mais recentes estudos da genética mostram que nem o criacionismo dominador dos fanáticos fundamentalistas, quaisquer que sejam, nem o evolucionismo científico de Charles Darwin.



A emoção.



A vida nasceu de um suspiro de emoção.



É isso que não querem que você saiba. Ou perceba. Que existe gente dentro de você, além do vídeo, das normas e regras estatuídas, do medo imposto e alimentado pela voracidade dos monstros.



E aí, a camisa de força dos tempos atuais travestida de progresso, tecnologia, um monte de letreiros luminosos e academias de “vida e formas” espalhadas no conto do vigário que fala com Deus.



George Walker Bush. Um terrorista idiota que mata milhões e se impõe a condição de libertador.



William Bonner. Um robô montado segundo as regras em cada canto do mundo, para chegar a cada sala de cada casa e mostrar um bebê sendo atirado pelos pais no desespero de salvá-lo do fogo, para, logo em seguida, exibir a escultura em forma de gente declarando “é o momento mais feliz de minha vida”.



Chore. Thalita foi eliminada. Se você não liga para isso, mude de canal, tem sempre alguém salvando milhões. Se não agüenta, cuidado, pode estar chegando ao limite tolerado pelos senhores dos botões.



“No futuro todos teremos quinze minutos de glória”. Andy Wahrol, um maluco fantástico que pintou latas de sopa e faturou milhões, mas entendeu todo esse caleidoscópio de uma hora para o almoço e trate de correr.



E não se esqueça. Sorria.



Há uma pasta pronta a engolir você, cada um. Um taco pronto a nos transformar em bolas coloridas e a encaçapar o ser num escaninho que lembra os vulcões onde os primeiros de nós ofereciam seus sacrifícios aos deuses furiosos.



Um lugar escuro? Não. Já estamos sendo arremetidos para as caçapas/cavernas. Um lugar sombrio como o cemitério de elefantes. Com a diferença que caçador nenhum vai encontrar ou buscar marfim.



Não existe. Apenas ossos triturados. E nem almas vagando. Estão aprisionadas em porões onde a nobreza/elite se lambuza com a carne do poder.



Quero uma praça cheia de árvores e pássaros. Caminhar descalço e sem medos.



Longe das parafernálias da realidade irreal.



Olhe bem! Veja o dia a dia à sua volta (a crase antes do possessivo é facultativa, ou pelo menos era).



Sabe por que CFT? Nem queira saber. Há um precipício de estrelas a serem escaladas (quem disse que a gente não escala estrelas?) e um grande buraco negro para engoli-lo.



Só que no fim, se você consegue chegar, encontra como que jogado no espaço os jardins de Nabucodonosor. Quando encontrar a cachoeira não tema, ultrapasse, deixe a água molhar você. É logo depois. As almas estão lá. É só pegar a sua de volta.



Não deixe os bandidos vencerem.

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