A cada semana, dezenas de homicídios engrossam as estatísticas das mortes violentas ocorridas em Salvador e Região Metropolitana. Na grande maioria dos casos, um elemento tem se tornado comum. A autoria dos crimes é atribuída a pessoa ignorada. Não identificada. Sem a autoria definida, milhares de inquéritos não chegam nunca à Justiça, e os crimes ficam impunes. Somente na Delegacia de Homicídios, DH, mais de mil inquéritos estão amontoados, sem solução. A delegada Rosemar Malafaia, que cuida da área administrativa da unidade policial, explica que a dificuldade em identificar as próprias vítimas, localizar seus parentes e conseguir testemunhas dispostas a falar, são elementos que fazem com que muitos crimes fiquem sem solução. O número parece pequeno, em relação ao volume de mortes registradas especialmente nos finais de semana. E é pequeno mesmo. Mas os dados dizem respeito apenas aos inquéritos que estão na Delegacia de Homicídios. A apuração dos casos começa na delegacia da área onde o fato aconteceu, e somente depois de algum tempo, (tempo indefinido) quando a delegacia não tem mais esperança de elucidação, é que o inquérito é encaminhado à DV. Esse tempo decorrido, diz a delegada Rosemar Malafaia, elimina os indícios e torna ainda mais difícil o trabalho da delegacia especializada em homicídios. “Nas delegacias de bairros, os policiais têm mais chances de chegar ao autor em menor tempo, pois conhecem os costumes, a população e detalhes que poderão gerar um indício”, diz a delegada. Sem informatização, com apenas sete delegadas e poucos funcionários, a DH enfrenta muitas dificuldades. A chefe de cartório da unidade não teve como fornecer dados sobre o número real de inquéritos encaminhados pelas delegacias de bairro. O número reduzido de agentes lotados no serviço de investigação das delegacias é um dos elementos apontados como causa da grande quantidade de crimes não esclarecidos. A média de investigadores por delegacia é de sete ou oito policiais. Plantonista da 12ª DP, a delegada plantonista Djane Matos, informa que a unidade conta apenas com sete investigadores para uma área com mais de 500 mil habitantes e com elevado índice de criminalidade. Por isso, priorizar a investigação de crimes com indícios de autoria é a palavra de ordem na delegacia. Os demais casos ficarão à mercê da sorte. As solicitações do Ministério Público, brigas de vizinhos e homicídios disputam o mesmo espaço. O Instituto Médico Legal Nina Rodrigues é citado pela delegada como um dos fatores que corroboram para as investigações se arrastarem. Djane diz que “não existe intercâmbio de informações na identificação de casos de ignorados”. Com poucos policiais, dificuldades na comunicação com o IML e recusa de parentes em ajudar a levantar o comportamento e a vida das vítimas, fica mesmo difícil esclarecer muitos casos de morte, diz a delegada. Responsável pela área do subúrbio ferroviário, que tem uma população superior a 750 mil pessoas, e marcada por elevados índices de homicídios, o titular da 5ª Delegacia, Deraldo Damasceno, revela que realmente trabalha com um grupo reduzido de investigadores, apenas seis, mas acredita que o grande problema seja a família e testemunhas darem informações. “Não somos polícia americana, que trabalha com tecnologia e coisas do tipo. Fazemos dentro do possível e precisamos das declarações das testemunhas e familiares. Como a maioria dos homicídios aqui está ligado ao tráfico de drogas, ninguém fala e aí instala-se a dificuldade. É lei do silêncio mesmo. Meu pessoal é reduzido mas faz o que pode”, declara o experiente profissional, com 30 anos de polícia civil.
Caso Nativo continua sem solução
; “A morte do ambientalista Antônio Conceição Reis, de 44 anos, é uma exemplo recente da incapacidade do organismo policial para esclarecer os casos complicados. Oito meses se passaram e a polícia ainda não conseguiu esclarecer o crime. Familiares da vítima dizem que o último contato feito pela polícia com eles não foi para dar notícias. Ao contrário. “Policiais estiveram aqui, e queriam saber se sós tínhamos novidades sobre o caso”, revelou Alfredo Conceição Reis, irmão do ambientalista assassinado. Sem solução, o inquérito inicialmente instaurado na 12ª Delegacia, em Itapuã, foi transferido para o Grupo Especial de Repressão a Crimes de Extermino, Gerce, unidade que apura os casos com as características da morte do ambientalista. A coordenadora do Gerce, Andréa Cardoso, alega dificuldades para chegar aos autores do homicídio. Garante que a situação é complicada, e responsabiliza, em parte, a população que não colaborou. “Faltam testemunhas, os homens estavam encapuzados e temos várias linhas de investigação, já que a vítima foi uma pessoa que incomodou muitas pessoas”, justifica. O incômodo a que se refere a delegada era a atuação destacada de Antonio Conceição em defesa do meio ambiente e da população do Abaeté, além de ter denunciado um grupo de policiais por prática de violência. Com as malas prontas para deixar a coordenação do Gerce e aportar na presidência da Associação dos Delegados da Bahia, a coordenadora assegura que sua equipe não foi intimidada nas investigações. “Caso haja a participação de policiais, como dizem, e se chegarmos a esta conclusão, eles serão presos”, dispara. Sem informar quem a substituirá no Gerce, Andréa Cardos garante que as investigações não serão paralisadas. Antonio Conceição era presidente da Associação Ecológica Nativos de Itapuã e brigava pela preservação da lagoa do Abaeté. Há 20 anos militava na defesa do meio ambiente. Meses antes de sua morte, sua residência foi invadida também por pessoas encapuzadas, dizendo-se policiais, que reviraram a casa, apontaram arma para a cabeça de sua filha deficiente, de 17 anos, e deixaram o local. Por volta das 16 horas do dia 9 de julho do ano passado, o corpo do ambientalista foi encontrado num veículo cor prata modelo Eco Sport, na estrada da Sucupira, em Vila de Abrantes. Nove horas antes, ele tinha sido rendido nas proximidades de sua residência na Rua Guararapes, em Itapuã, por quatro homens encapuzados, que o balearam e colocaram no porta-malas de uma pick-up também prata e de dados ignorados. “Há três meses não temos qualquer notícia do caso. Da última vez que fizemos contato com o Grupo de Repressão, saímos chateados, porque não houve evolução. Todos os meses, no dia 9, estamos fazendo mobilização para chamar atenção da população e autoridades, mas vemos que nada está adiantando”, desafaba Alfredo Conceição, irmão da vítima.
Maria Célia Vieira
Tribuna da Bahia
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