terça-feira, 27 de maio de 2008

FCCV: INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA.QUESTÃO DE DEMOCRACIA.

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 8, nº 17, 15/05/08
INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA: QUESTÃO DE DEMOCRACIA




Garoto de 12 anos mata adolescente de 16. Esta é a manchete principal da página 13 do jornal A Tarde de 11 de maio de 2008. De acordo com a matéria, o fato se deu em um sítio no município de Camaçari, na região metropolitana de Salvador, em 9 de maio, por volta das 10 horas. O caseiro do sítio, antes de sair da casa, entregou à criança uma espingarda calibre 28 e a encarregou da segurança do local. Os moradores informaram que Diego, a vítima, “estava na casa de uma vizinha quando foi convidado pelo garoto de 12 anos para um passeio”. Ainda conforme as informações da vizinhança havia um outro adolescente que, juntamente com a criança, mataram Diego com golpes de facão e tiros, e depois fugiram.



O jornal ouviu o irmão da vítima que informou que Diego se dava bem com o autor dos disparos: “Eles se davam bem, mas esse menino aí só andava metido com coisa errada. Já foi acusado de furto, arrombamento e outras coisas”. Também foi evidenciado que a vítima estudava num colégio estadual, era um “menino dedicado aos estudos e calmo”. Pelo que se informa, não se sabe sobre os motivos que levaram à trágica morte.

A partir da leitura da matéria tem-se claro que, objetivamente, Diego morreu e sua morte foi ocasionada pelas ações violentas de uma criança e de um adolescente. Uma tal ocorrência deve ser apurada e caso sejam confirmadas as suspeitas os autores devem ser alvo das sanções previstas na Lei. Entretanto, este acontecimento deve suscitar reflexões sobre o acesso a armas por parte de crianças e adolescentes.

Pelo que foi possível observar, o caseiro do sítio não considerou inadequado que a criança prestasse segurança à propriedade e com arma na mão. Pode-se imaginar a existência de uma certa hierarquia na qual o bem material é apreciado como valor absoluto, em torno do qual devem ser assentados os interesses relativos, inclusive aquele que diz respeito à proteção de uma criança.

É presumível que o caseiro tenha esperado da criança uma responsabilidade e um controle como se a mesma se tornasse adulta diante do patrimônio, ou seja, que o valor simbólico e material do bem fosse capaz de dotar o garoto de atitudes responsáveis e de zelo em relação ao mesmo e que ele, portanto, ficasse ali, paralisado diante do imóvel. Uma tal expectativa, aliás, tem sido freqüente em várias formas de exploração do trabalho infantil. Em última análise, às crianças e aos adolescentes pobres são “dadas oportunidades” de virarem adultos precoces pela via do trabalho ou de atribuição de tarefas típicas de pessoas amadurecidas. E quando os infantes não correspondem aos anseios ou às responsabilidades a eles conferidas são procurados em seus currículos os traços de um desviante, para criminalizá-los tal como adultos.



Práticas desse tipo se apóiam na visão de que a infância e a adolescência são luxos a serem desfrutados por aqueles que podem e não por todos os brasileirinhos e brasileirinhas. É bem provável que o caseiro do sítio não se atreveria a propor a uma criança de 12 anos, integrante de uma elite social, a tarefa de zelar da casa, muito menos seria entregue à mesma a espingarda. E esta diferenciação não se restringe ao universo dos caseiros, infelizmente este é um traço que perpassa a nossa cultura e também atravessa o mundo das instituições públicas, inclusive o das escolas. Exemplos como o caso aqui tratado deve ser objeto de apreciação de todos na busca da garantia ampla e irrestrita do direito à infância e à adolescência.

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