domingo, 29 de março de 2009

Gregório de Mattos e Guerra

Notação Biográfica
Fernando da Rocha Peres

Nasceu Gregório de Mattos e Guerra , conhecido como "Boca do Inferno", em Salvador , Bahia , em 23/12/1636 [1]. Neto de Pedro Gonçalves de Mattos ( familiar do Santo Ofício da Inquisição, em 1618) , morador na Bahia [2] , e filho de Gregório de Mattos , ambos naturais de Guimarães , Portugal , com Maria da Guerra . Pertencente a uma família , os Mattos da Bahia , de proprietários rurais , arrematadores de obras (empreiteiros) , de funcionários da administração na colônia , Gregório de Mattos vai estudar no célebre Colégio dos Jesuítas (1642) , na Bahia , e seguir para Lisboa , em 1650 . Dois anos depois (1652) vamos encontrá-lo matriculado na veneranda Universidade de Coimbra , de onde sai graduado em Canones no ano de 1661 . Casa-se em Lisboa , no ano da formatura , com D. Michaela de Andrade , pertencente a uma família de magistrados . Vendo o seu caminho facilitado para uma carreira jurídica , em Portugal , no ano de 1663 é nomeado Juiz de Fora de Alcácer do Sal, depois de constatada a sua "pureza de sangue" [3]. Naquela Vila , vai exercer a função de Provedor da Santa Casa de Misericórdia , para o período1665-1666 [4]. Dois anos mais tarde (1668) , vamos saber que Gregório de Mattos vai ser investido da honrosa incumbência de representar a Bahia nas Cortes , em Lisboa , realizadas em 27 de Janeiro . Três anos após (1671) o magistrado ascende ao cargo de Juiz do Cível em Lisboa , para , no ano seguinte (1672) , ser indicado pelo Senado da Câmara da Bahia na condição de Procurador . Em 1674 novamente vamos sabê-lo representante da Bahia nas Cortes (20 de Janeiro) e no mesmo ano destituído do mandato de Procurador . Batiza o magistrado uma filha natural em Lisboa , em 1674 , chamada Francisca , na Freguesia de S. Sebastião da Pedreira . Fica viúvo em 1678, e não temos notícia de filho seu nascido de D. Michaela de Andrade . Já em 1679 é nomeado por D. Gaspar Barata de Mendonça para Desembargador da Relação Eclesiástica da Bahia e Tesoureiro-Mór da Sé , em 1682 , por D. Pedro II , tendo recebido a tonsura (ordens menores) no ano anterior (1681) . Reconhecido como magistrado de importância e renome, vê suas sentenças publicadas pelo jurisconsulto Emanuel Alvarez Pegas nos anos de 1682 e 1685 [5] ,e embarca Gregório de Mattos para a Bahia , aqui chegando no início do ano de 1683, depois de trinta e dois anos vividos em Portugal . D. Gaspar Barata havia renunciado ao cargo de Arcebispo , sem vir ocupá-lo na Bahia , o que fez o clérigo Gregório de Mattos retornar apressado para entrar na posse de suas prebendas eclesiásticas . Em 1683 , meses após a sua chegada , é destituído dos cargos junto a cúria baiana , pelo novo Arcebispo D. Fr. João da Madre de Deus [6] , por não querer usar batina e por não aceitar a imposição das ordens maiores necessárias para o exercício das suas funções junto ao Arcebispado . Já na Bahia , após sua chegada vamos ver atiçada a sua veia de poeta satírico diante da vida relaxada e promíscua na Cidade de Salvador . Como os padres não davam o bom exemplo (os da Sé vão ser chamados de "presépio de bestas ") , com algumas exceções, resolve Gregório de Mattos ser o cronista dos seus costumes e de toda a sociedade baiana : dos ricos e governantes , dos brancos e negros , dos colonos e escravos , da nobreza nativa e da sua galeria de mulatas . Despido da sua identidade clerical , como já havia feito com a de magistrado , Gregório de Mattos vai desenvolver então a sua veia poética ( uma nova identidade ) para o caminho da sátira ( chama os habitantes da Bahia de "canalha infernal "), do erotismo , da pornografia, da poesia grotesca , lírica e sacra . Dentro da melhor tradição da poesia medieval ibérica , da poesia popular , e leitor dos poetas do Século de Ouro Espanhol [7], Gregório de Mattos vai encordoar a sua lira e afiar a sátira . Em 1684 dá início o poeta a suas andanças pelo Recôncavo da Bahia de Todos os Santos , nas raízes telúricas de seus maiores , em companhia de amigos, dentre os quais o poeta português Tomás Pinto Brandão (1664-1743) . Nesta década de 1680 vai casar , na Bahia , com Maria de Póvoas (ou dos Povos ?), com quem terá um filho chamado Gonçalo . Por sua vida livre de "homem solto sem modo de cristão " será denunciado à Inquisição em Lisboa , no ano de 1685 , por Antonio Roiz da Costa , promotor do Eclesiástico na Bahia e personagem que será satirizado pelo poeta [8] . A peça ou carta decorrente da denúncia de heresia ( fala mal de Jesus Cristo e não tira barrete da cabeça quando uma procissão passa na porta de sua casa ) não tem seguimento , pois uma testemunha havia partido da Bahia e outra morrido . Acreditamos que foi o prestígio da família dos Mattos , dentre outros fatores , que fez esvaziar-se a denúncia contra o poeta . No ano de 1691 entra Gregório de Mattos para a condição de Irmão da Santa Casa de Misericórdia da Bahia , e no ano seguinte paga uma dívida em dinheiro contraída junto a Santa Casa de Lisboa . Por seus poemas satíricos contra tudo e contra muitos , principalmente pelos retratos que faz do Governador Antonio Luiz Gonçalves da CÂmara Coutinho [9], o " fanchono beato " vê-se ameaçado pelos filhos desta autoridade , os quais prometem matá-lo . O Governador João de Alencastro [10], seu amigo, com outros companheiros do poeta , promove um complô para prendê-lo e enviá-lo para Angola no ano de 1694 , sem direito de voltar para a Bahia, o que sucede para enorme desgosto do poeta . Em Luanda , no ano de sua chegada , em 1694, envolve-se o poeta em uma conspiração de militares , por questão do soldo e mudança do padrão monetário , e vai favorecer o governo local , na pessoa do Governador Henrique Jacques de Magalhães , colaborando com a prisão e condenação dos cabeças da sedição [11] . Como recompensa recebe o poeta a permissão de voltar ao Brasil , para ficar em Recife - longe da Bahia e dos seus desafetos - onde vai morrer em 1695 , de uma febre contraída na África , com 59 anos , no dia 26 de novembro e seis dias após a morte de Zumbi dos Palmares.

A poesia apógrafa ( reprodução de um manuscrito original ) de Gregório de Mattos e Guerra (1636-1695) permaneceu guardada em códices existentes em Portugal (o mais importante é da Biblioteca Nacional de Lisboa , Secção de Reservados , número 3.576) no Brasil e nos USA . Foi o historiador Francisco Adolfo Varnhagen , em 1850 , que publicou um conjunto de 39 poemas no "Florilégio da Poesia Brasileira ", editado em Lisboa . Daí em diante Gregório de Mattos passa a constar de várias antologias e "Parnasos", até hoje , tendo a sua obra apógrafa publicada , em parte , por Alfredo do Valle Cabral (1882) , Afrânio Peixoto (1923 - 1933) , em 6 volumes ( Edição da Academia Brasileira de Letras ) e James Amado (1968) , que edita as suas "completas ", em 7 volumes ,reeditada em 2 volumes, Record,1990, com o título de Obra Poética, contendo toda a parte erótica, pornográfica e grotesca , até então desconhecida e que Afrânio Peixoto havia censurado.

A fortuna crítica do poeta inicia-se no século XVIII com uma biografia manuscrita que aparece anexa a alguns códices , com variantes , e da autoria de Manuel Pereira Rabelo . Foi esta biografia uma peça importante para que nós pudéssemos promover a revisão da vida do poeta , na busca incessante de fontes documentais . A partir do século XIX, e até hoje , o poeta Gregório de Mattos teve avolumada sua biografia e os estudos a respeito de sua vida e sua obra . No momento estamos concluindo uma mais extensa indicação de fontes bibliográficas e documentais sobre o poeta satírico mais importante da literatura de língua portuguesa no período barroco . A obra apógrafa de Gregório de Mattos mais cedo ou mais tarde será objeto de uma edição crítica, contando a sua realização com uma equipe de especialistas . Como disse o Mestre Antonio Houaiss, "o fato é que a pesquisa histórica em torno da vida de Gregório já atingiu um inesperável grau de documentação , pois há duas décadas a documentabilidade de sua vida era algo de que não se esperava muito ". Em verdade, a pesquisa , no sentido biográfico, muito tem ajudado e pode ajudar , com a localização de documentos e códices poéticos, para o retrato do poeta vagante Gregório de Mattos e para o conhecimento da sua obra . Temos nos dedicado a localizar, no Brasil e em Portugal , essas fontes documentais (vida e obra), que abrem caminho para uma compreensão do poeta brasileiro e das suas identidades como magistrado, em Portugal , e clérigo e poeta na sua terra natural , o Brasil , que ele vai chamar, certa feita, de "peste do pátrio solar".



NOTAS

Fixamos o ano de nascimento do poeta para 1636 a partir de documento : Sumários Matrimoniais da Câmara Eclesiástica de Lisboa , 1661 , Maço 2 , número 69 , manuscrito da Biblioteca Nacional de Lisboa , Secção de Reservados . Em 1986 o Centro de Estudos Baianos da UFBA organizou um Simpósio sobre a vida e obra de Gregório de Mattos e Guerra , nos seus 350 anos de nascimento . Na oportunidade a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos lançou um selo comemorativo , a Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro realizou uma amostra documental sobre o poeta e a Biblioteca Nacional de Lisboa mandou imprimir um cartão postal para registrar o evento. Em 1996 o mesmo Centro de Estudos Baianos organizou um Encontro Internacional "O Poeta Renasce a Cada Ano", comemorativo dos 360 anos de nascimento de Gregório de Mattos e Guerra.
Novinsky , Anita . Cristãos Novos na Bahia . S. Paulo , Perspectiva , 1972 , p. 115 e p. 138 .
Habilitações de Genere ; "Leitura de Bacharel ", Arquivo Nacional da Torre do Tombo , Maço 2 , número 6 , letra G.
Conforme Nome dos Provedores da Santa Casa de Misericórdia de Alcácer do Sal , edição da Santa Casa de Misericórdia , Alcácer do Sal , 1957 . Também no livro manuscrito "Termo de eleitação de irmãos (Actas) , 1660-1708" , depositado na SCM de Alcácer do Sal . Devo esta informação ao Dr. João Carlos Lázaro Faria, do Museu Nacional de Pedro Nunes em Alcácer do Sal .
São duas as sentenças do juiz Gregório de Mattos e Guerra , lavradas em 1671 e 1672 , e publicadas em : Pegas , Emanuellis Alvarez ; Commentaria ad Ordinationes Regni Portugalliae , Ulyssipone, 1682. Tomus Septimus, pp.290 a 303 - sentença da p. 294 ap. 296 - e pp. 638 a 647 . Outra sentença de Gregório de Mattos e Guerra está publicada em Pegas, Tractus de Exclusione, Inclusione, Successione,
et Eredictione Maioratus, Pars Primas, Ulyssipone, 1685, págs 569 e 570 .
Arcebispo da Bahia de 1683 a 1686 .
A impregnação de Gregório de Mattos como leitor de Quevedo e Gongora levou a crítica a considerá-lo um plagiário . Recentemente , o livro de Gomes , João Carlos Teixeira . Gregório de Mattos : o Boca de Brasa , Rio Vozes , 1985, situa a problemática dentro de um estudo de intertextualidade .
Mattos ,Gregório de ; Obras Completas (edição James Amado) , Salvador , Janaína , 1968 , 3º vol. , p. 716 a p. 727 . São três sátiras ou retratos grotescos contra o doutor Antonio Roiz da Costa , Cavalheiro do Hábito de Cristo .
Governador da Bahia , capital do Brasil côlonia , de 1690 a 1694 .
Amigo do poeta e Governador (1694 - 1702) cuja "lenda" diz ter mandado deixar em Palácio , na Bahia , um livro para que as pessoas copiassem poemas de Gregório de Mattos . Infelizmente este códice manuscrito jamais foi localizado.
Sobre o tema escrevemos artigo : Peres , Fernando da Rocha , Gregório de Matos e Guerra em Angola , "Afro-Ásia", nº 6-7 , CEAO da UFBA , Salvador , 1968 , pp. 17-40 . Vide também Peres, Fernando da Rocha . Gregorio de Mattos e Guerra : uma revisão biográfica . Salvador, Edições Macunaíma, 1983.



Fonte:http://www2.ufba.br/~gmg/gregorio.html

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