terça-feira, 14 de julho de 2009

Novela Caminho das Índias mostra a violência praticada por jovens ricos.


Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 9, nº 24, 13/07/09


PARA PODER BRINCAR

DE FORA DA LEI




A novela Caminho das Índias, veiculada pela Rede Globo de Televisão traz, entre os seus temas, um assunto relacionado com práticas desviantes de jovens de classe média. O protagonista dessa questão dentro da novela é o jovem Zeca. É um estudante do ensino médio de uma escola privada que representa um verdadeiro desafio para as professoras, funcionando como uma espécie de adversário da finalidade pedagógica prevista para o espaço escolar.





Zeca encarna a condição do ideal negativo de aluno e emprega esforços no sentido de converter os colegas para adotarem a sua posição; aqueles que não se convertem são objeto de zombarias no interior da sala e de perseguições e agressões físicas nos ambientes externos à sala de aula. Ele já atingiu uma professora, através de montagem de informação em um site e, sempre junto com sua turma, praticam violências nas vias públicas e depois fogem em um carro modelo pik up. Já foi alvo de denúncia junto à polícia, mas conseguiu sair-se bem, com a ajuda de seu pai.

Vive com os pais, personagens que o estimulam em suas “aventuras”. Sua mãe costuma consumir ovos especiais, mas tem por hábito adquirir os de tipo normal (por serem mais baratos) para que o filho os lance da varanda de seu apartamento às pessoas que passam pela rua. Ele costuma relatar em casa o cometimento de ilegalidades realizadas tanto na escola quanto nas ruas, e seus pais ficam maravilhados e orgulhosos com as novidades do filhão.

A família de Zeca compartilha do desempenho do filho e não esboça qualquer condição para o reconhecimento da magnitude dos problemas evidenciados por ele, ao contrário, as irregularidades cometidas pelo jovem são fonte de orgulho para os pais que, além disso, estão sempre dispostos a ampará-lo quando do insucesso de suas ações.

O pai e a mãe fazem o estilo pais presentes, em termos físicos, porém ocupados em serem irmãos e, portanto, companheiros de desvios. Pode-se, também, vê-los como público do filho, fãs incondicionais de suas “artes”, admiradores de suas maldades. Em todo caso, distantes dos papéis reservados a eles no âmbito familiar.

Esses “toques de novela” permitem lembrar a existência de uma certa obsessão que tem se apresentado nos argumentos relativos à violência. Trata-se da idealização da família como aquela que deveria garantir a prevalência das normas e comportamentos salutares ao sistema social. Quando as outras instituições ficam sem argumentos diante da ampliação da violência, acusações são lançadas sobre o tecido familiar como sendo aquele solo que teria se corrompido e não acertando mais na dose de educação e de proteção aos filhos. Essas denúncias, na maioria das vezes, dizem respeito às famílias pobres as quais são, indiretamente, responsabilizadas pelos comportamentos desviantes verificados na sociedade.

Entretanto, “a bola” retorna à sociedade como um todo quando o desvio é praticado por pessoas que dispõem de condições vantajosas no seio da ordem estabelecida. Aí o problema passa a ser “dos nossos jovens” e as indagações assumem caráter mais abstrato: o que está acontecendo com a sociedade? Por que nossos meninos estão agindo fora dos padrões? Como ofertar na ordem social os meios para recompor as condições necessárias a uma filiação saudável e entusiasmada por parte dos nossos filhos? Não falta também a projeção de culpa endereçada àqueles que não integram de modo confortável o tecido social: são os favelados que estão provocando danos aos nossos jovens ingênuos e inocentes!

Os adolescentes e jovens de classe média e alta têm as suas faltas abonadas sob argumentos como as carências psicológicas, a necessidade de praticar aventuras enquanto os pobres não são compreendidos como sujeitos portadores desses mesmos traços e deles é esperada uma família capaz de promover uma relação funcional com a ordem estabelecida. Quando isso não acontece emergem bandeiras criminalizadoras dos comportamentos juvenis, a exemplo da defesa crescente da diminuição da idade penal.







A situação indicada tem como pano de fundo a certeza de que prevalecerá, ao lado da solicitação de endurecimento da lei, o uso de dois pesos e duas medidas. Enquanto o ator for do tipo Zeca a sua inocência restará soberana sobre as suas condutas incautas, ao contrário, quando o personagem for representante de segmento marginalizado a sua culpa estará acima de seus comportamentos e a ele caberá explicar-se diante da ordem como quem pede desculpas por existir e não poder brincar de fora da lei.

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