sábado, 23 de janeiro de 2010

VIOLÊNCIA SEM SANGUE.O CRIME PRATICADO CONTRA AS MULHERES.


Vera Mattos*

Hei mulher! Por que você permitiu aquele primeiro tapa?

Por que você permitiu aquela primeira calúnia?

Aquela primeira injúria, aquela primeira difamação? Hei mulher! Será que você lembra quando tudo aconteceu? Era uma brincadeira entre você e ele... talvez até a situação já vinha se repetindo...mas tudo era tão leve e você acabava sorrindo, relevando, deixando para analisar depois. Temia ser chata, desagradável e acreditava que seria bom fazer concessões. Algumas vezes pensava que a causa era a bebida, sempre perdoada pois permitida; acreditava sinceramente que o homem cansado, frustrado, tinha todas as justificativas do mundo para desabafar, para liberar em você e na família os sentimentos agressivos.

Além disso, havia a vergonha das amigas, dos amigos, dos vizinhos, dos colegas de trabalho. E quanto a manchas roxas na pele? O que dizer mesmo? Topadas, uma pancadinha à toa, esbarrou em algum móvel, caiu em casa, e cada dia mais uma desculpa. Quando você pensava que estava enganando aos outros enganava principalmente a você mesma.

Agora, volte ao primeiro tapa, a primeira pancada. Doeu?

Hei mulher! Responde hoje, exatamente nesta hora que você está decidindo ir até uma Delegacia e ainda assim procura justificar este seu desejo de ir, de se expor, de falar de sua vida pessoal ou do pouco que ficou dela.

Será que com todas acontece assim? Ou seria apenas com você? Lembra quando ele gritava com você? Dizia que você era gorda, estava acima do peso? Ou quando dizia que a cor do seu cabelo estava ridícula? Ou quando se referia a sua pouca capacidade intelectual? E o desprezo hein?

Você sentiu na pele o desprezo quando ele disso que seu cheiro não era bom, que cheirava a cozinha, a óleo e alho. Mas você conseguia cozinhar para ele. Poderia ter servido cicuta, mas continuou tentando conquistá-lo com a comida de cada dia, velha lição centenária que assegura que homem se “pega pela boca”.

Hei mulher! Acorda! Antes do primeiro tapa este homem ofereceu vários avisos. Ele estabeleceu um vínculo perigoso em que sua parceria foi fundamental: o da violência sem sangue. Todos os dias ele procurava negar a sua existência como mulher. Todos os dias ele dizia que você era menos, era menor, era infinitamente menor do que a mulher que ele sonhou ter, possuir.

A palavra é posse. É muito barato transformar a companheira em empregada sem direito a qualquer obrigação trabalhista. Além disto, dentro da submissão há a existência do sexo, geralmente com dia e hora marcados. Outros homens querem sexo diariamente, pouco se interessando se seu dia foi estafante, estressante, se houve dupla, tripla jornada. Acreditam que você tem que estar disposta e também apresentar uma boa disposição. O seu sonho de Cinderela desabou. Você viu isto? Você sentiu isto?

Estamos no século XXI. Você como eu é do século passado! Se estamos em 2007 evidentemente que qualquer mulher viva hoje é do século passado.

O que quero dizer? É que somos do século passado e agimos como tal. Não barramos a violência em nossas casas, em nossas famílias.

Esperamos que o amor que sonhamos terá a força suficiente para corrigir.

Mas isto é utopia. Tratemos primeiro da denúncia, de buscar a lei, de perder literalmente a vergonha e fazer que estes protótipos de homens morram de vergonha.

Eles é que devem se sentir constrangidos. Eles é que devem temer a repercussão dos fatos na vida profissional, social. Eles é que devem andar assustados pelo fato de terem sido denunciados nas Delegacias Especializadas, nas Promotorias, e de finalmente serem levados ao Fórum Criminal.

E de que você vai ter vergonha? De ter sido violentada psicologicamente? De ter sido brutalmente atacada fisicamente? Hei mulher! A sua alma está sofrendo. Dentro de você há um caos, um buraco, um sentimento de menor valia, e se demorar mais é bem provável que a pouca coragem que você tem desça pelo ralo da pia, pela descarga do banheiro.

Apoio familiar? Aquele que lhe encorajará dizendo siga em frente, siga e denuncie? Este apoio é raro. Muitos dirão que você deve relevar. Muitos dirão que em nome de Deus, em nome de Jesus você deverá perdoar.

Mulher entenda que esta sociedade foi construída para fazer concessões aos homens. Não espere nem mesmo nas delegacias especializadas um atendimento generoso. A razão é que também policiais mulheres são mulheres e também sofrem violência dentro e fora dos seus locais de trabalho. São discriminadas, criticadas e acabam por sucumbir não somente a hierarquia militar, mas a própria insatisfação e ao sentimento de que nada são e nada serão. Haja depressão, haja angústia, haja desespero, haja desejo de se impor. Com arma na mão pensa em liberdade, mas não encontra caminho e chora como se não tivesse força, como se fosse alguém frágil e destreinada. O exemplo da policial que sofre serve para abrir o debate.

Que mulheres somos nós? E afinal quem educou estes homens agressivos, intolerantes, raivosos, desleais? Quem tem ou teve irmãos homens lembra das leis domésticas repetidas pelas mães da época. Era comum dizer que o respeito tinha território e que os garotos estavam aptos a caçarem suas presas. Os bodes estavam soltos para a glória das famílias machistas. As outras famílias tratassem de cuidar de suas cabras e cabritas.

Assim como individualmente se colhe o que se planta, os homens do século passado estão ofertando a educação que receberam. Exercem poder, exercem fascínio. O sexo e a sedução chegam junto. Sabemos que paixão não tem data para começar, mas tem prazo para acabar e isto é fato científico.

Hei mulher! A paixão acabou. O amor se existiu agora é discutível. Você vai ficar aí sofrendo? Qual será o seu primeiro passo?Somente você poderá se ajudar. Somente você poderá dizer não. Procure outras mulheres e converse, desabafe. Fale com quem for possível falar. Não tema o julgamento dos outros ou das outras. Melhor você vivendo e falando do que em uma gaveta do Instituto Médico Legal.

Rompa a relação. Não fique na ameaça. Se você já se sustenta, o temor não deverá existir. Se não se sustenta, certamente tem algum talento e saberá encontrar uma forma de sobreviver.

Mas não tolere o primeiro tapa, a primeira injúria, a primeira calúnia, a primeira difamação.

Ao contrário do que se pensa aí está o ato de amor. Levar aquele que transgride a compreender as suas atitudes. Levar a reflexão positiva do respeito e do amor ao próximo e principalmente à próxima que poderá ser você.

Pense nisto e se mobilize através de ações concretas.

Vera Mattos
Jornalista

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