Dois dias depois de o próximo presidente do Supremo Tribunal Federal ter afirmado que o sistema prisional está próximo da "falência total", o pedreiro pedófilo Adimar Jesus da Silva, réu confesso do assassinato de seis adolescentes em Luziânia, foi encontrado morto em sua cela. Com isso, as declarações do ministro Cezar Peluso, que criticou a inépcia do poder público em matéria de custódia de presos, acabaram tendo uma confirmação trágica.
"São crimes de Estado contra o povo", disse ele, durante o 12.º Congresso sobre Prevenção ao Crime e Justiça Criminal da ONU, que se encerrou ontem. Peluso, que chefia o comitê permanente da América Latina para revisão das regras mínimas da ONU para tratamento de presos, assume na próxima sexta-feira a presidência do Supremo e do Conselho Nacional de Justiça. O encontro foi realizado em Salvador e os debates foram travados em clima de tensão, pois o Conselho de Direitos Humanos da entidade vem, desde 15 de março, cobrando publicamente as autoridades, depois de denúncias de maus-tratos nos presídios do Espírito Santo, e criticando o governo brasileiro por não ter implantado o protocolo da convenção contra a tortura, de 2007.
Além de estabelecimentos penais superlotados e insalubres, que comprometem a dignidade da população carcerária, as denúncias levadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU mencionam dezenas de casos de violação das garantias fundamentais e concentram-se no relato de torturas no centro socioeducativo para adolescentes infratores e celas feitas em contêineres, que abrigavam mais de 30 presos, na cidade de Cariacica. O quadro geral não é melhor. Há 473,6 mil pessoas presas no País, das quais 56,5 mil (cerca de 12% do total) se encontram detidas de forma irregular em delegacias de polícia. Pelas estimativas oficiais, o sistema prisional tem um déficit de 170 mil vagas. Como vários Estados não repassam informações sobre os números de detentos e de vagas disponíveis, a situação deve ser mais grave.
Reconhecendo a gravidade da situação, o ministro Peluso afirmou que as denúncias levadas ao Conselho de Direitos Humanos da ONU contra a situação do sistema prisional no Espírito Santo "envergonham o País". A reação do governo federal foi surpreendente. "Não entro nessa política de terra arrasada. Esse discurso eu ouço há 40 anos", disse o diretor do Departamento Penitenciário Nacional, Airton Michels. Segundo ele, o governo federal concedeu aos Estados recursos para a construção de prisões, construiu penitenciárias de segurança máxima e estimulou o uso de penas alternativas à prisão e o controle eletrônico de presos, para reduzir a população carcerária.
"Triplicamos o número de presos nos últimos anos", disse Michels, depois de reconhecer que as novas instalações não conseguiram desafogar o sistema prisional, dado o vertiginoso crescimento do número de pessoas detidas e condenadas. Os próprios documentos oficiais, no entanto, confirmam que a União poderia ter realizado muito mais do que fez no setor. Em dezembro, a imprensa noticiou que R$ 460 milhões destinados pelo governo federal para construção e reforma de presídios estavam parados nas contas bancárias dos Estados. A informação constava de um relatório da Caixa Econômica Federal. As autoridades estaduais e federais justificaram-se, atribuindo o fato a pendências nas licitações, entraves ambientais e falhas de projeto.
Coibir a criminalidade e garantir a segurança pública sempre foram funções básicas do Estado. A incapacidade do poder público de garantir a vida de quem está preso, o anacronismo do processo judicial, a falta de psiquiatras em número suficiente para lidar com criminosos portadores de distúrbios mentais e evitar que recebam o benefício da liberdade condicional, como ocorreu com o pedófilo goiano, e a altíssima taxa de reincidência, que se situa em torno de 70% (ante 16% na Europa e nos EUA), deixam claro que Peluso sabe aquilo que as autoridades do Executivo ignoram: o sistema prisional faliu.
http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100420/not_imp540630,0.php
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