A força da mulher
Por Emiliano José
Uma vitória do povo brasileiro. A vitória de um projeto político. A vitória de uma mulher. Talvez isso possa ser uma boa síntese das eleições deste domingo. O Brasil que a nova presidente encontra não é o mesmo de 2003, quando Lula assumiu. É muito melhor. No entanto, os desafios que Dilma Rousseff tem pela frente são enormes, sobretudo o de continuar a luta para diminuir a desigualdade social que ainda nos afronta, preocupação que ela manifestou sempre durante a campanha.
Tenho convicção de que a democracia está se consolidando no Brasil. Que o povo brasileiro amadurece cada vez mais. Que a cidadania cresceu. Que a consciência da nossa gente não se submete mais com tanta facilidade aos chamados meios de comunicação de massa, cujo núcleo central é escandalosamente partidarizado. Que os grotões desapareceram de nossa cena política. Que não há mais donos de votos no País, especialmente para as eleições majoritárias. Que não se subestime mais a capacidade do nosso povo.
Creio que definitivamente caiu por terra a noção da existência de formadores de opinião situados na chamada mídia hegemônica. Ou, dito de outra forma, a importância desses atores diminuiu muito. O povo reage é diante das políticas públicas, do resultado efetivo da atuação do governo face à sua vida. Por que razão o povo brasileiro iria deixar de votar numa candidata que representava a continuidade de políticas que o beneficiaram tanto nos últimos anos e trocá-la por outro, que representava tão nitidamente políticas que o prejudicaram enormemente, como o governo Fernando Henrique Cardoso?
Penso muito no desprezo que alguns daqueles que se acreditam formadores de opinião tem pelo povo brasileiro. Não se conformam com a popularidade do presidente Lula, tentam desqualificá-lo o tempo inteiro, confrontando-se com índices de aprovação superiores a 80%. E embarcaram de forma resoluta na tentativa de desqualificação da candidata Dilma Rousseff, inclusive na sordidez que envolviam os falsos dossiês sobre sua atuação política ou, ainda, sobre o odioso caso da posição diante do aborto.
O povo brasileiro elegeu Dilma com muita consciência de que apoiava um projeto político. Há aqueles que atribuem a eleição de Dilma apenas ao inegável carisma do presidente Lula, e não há dúvida de que isso contou. Parafraseando Caetano Veloso, que referiu-se a Roberto Carlos dizendo a gente sabe a quem chama de rei, o povo sabe a quem chama de líder.
Lula é o maior líder político e popular da história do Brasil. No entanto, não fosse o extraordinário governo feito nesses oito anos, com resultados nunca antes vistos, para melhor, nas condições de vida do povo brasileiro, e certamente não bastaria o carisma do presidente Lula.
O carisma se afirmou por conta, sobretudo, das políticas públicas que foram levadas a cabo pelo governo, fruto de um projeto político pensado pelo PT, desenvolvido com mais consistência entre o final dos anos 90 e início do novo milênio. Claro que esse projeto encontrou um ator singular, de uma capacidade rara, de uma intuição política fantástica, e que soube, portanto, dar consistência a tudo que havia sido pensado pelo PT.
O partido compreendeu a complexidade do Brasil. Superou quaisquer tentações isolacionistas, procurou alianças amplas e pensou uma revolução de longo prazo, uma revolução democrática, que enfrentasse a profunda desigualdade social que nos afronta há séculos, que situasse a Nação de forma soberana na arena mundial. Desde o seu nascimento, o partido havia superado a dicotomia entre socialismo e democracia. E no projeto concebido mais recentemente certamente reafirmou para si mesmo que o processo de mudanças no Brasil se daria no leito democrático, do qual nunca abriu mão.
E pôde experimentar nesses oito anos, ao lado dos partidos aliados que chamou para o projeto, o quanto é possível mudar o Brasil, as condições de vida do povo brasileiro, no exercício pleno da democracia. Tirar quase 30 milhões da pobreza absoluta e elevar mais de 30 milhões da pobreza à classe média é o maior triunfo desse projeto. Foi nele que o povo votou.
E foi a vitória de uma mulher. A vitória da mulher brasileira. O ano de 2002 marcou um fato inédito na história do Brasil: a eleição de um presidente operário. Agora, o povo brasileiro produz outro fato inédito: pela primeira vez elege uma mulher.
Nunca se viu um ataque tão descabido, tão sórdido, tão abaixo da linha de cintura à figura da mulher como foi feito pela campanha do candidato adversário. Nossas ilusões nos levaram a pensar numa campanha de bom nível, face ao passado de Serra. Foi um grave engano.
Nunca o nível baixou tanto, e contra uma mulher. E procurando buscar nos recantos obscuros da alma da sociedade brasileira os elementos que suscitassem o ódio, que alimentassem os preconceitos, que suscitassem a raiva contra a mulher, contra todas as mulheres, e especialmente contra aquelas que eventualmente tivessem que recorrer ao aborto.
E a chamaram despreparada, e a chamaram teleguiada, e quiseram-na sem vida política, e a denominaram terrorista, como se terroristas fossem todos os que resistiram à ditadura. E semearam mentiras, e fizeram milhões de telefonemas clandestinos com toda sorte de calúnias contra ela.
E ela ganhou. Ganhou a grande mulher que é Dilma, que soube superar uma doença, que não se abalou com a sordidez que se alevantou contra ela, e se torna assim a nossa primeira presidente mulher. As mulheres do Brasil estão em festa. E os homens também. Há um caldo de revolução cultural na eleição dessa mulher. Os homens viverão uma experiência nova: a mulher que sempre soube cuidar dos filhos e da casa, e que nunca deixou também de viver intensamente a vida pública, irá agora dirigir os homens e mulheres do Pais, cuidar com imenso carinho de todo o povo brasileiro, acelerando o processo de distribuição de renda iniciado com tanta firmeza pelo presidente Lula.
Publicado no site Carta Maior (01/11/2010)
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