terça-feira, 16 de março de 2010

CUIDADO, GOLEIRO, MULHER NÃO É BOLA!

Leitura de fatos violentos publicados na mídia
Ano 10, nº 07, 15/03/10



Os primeiros dias de março impõem ao receptor uma extensa pauta para homenagear a mulher. Entre vários matizes ela é lutadora, vitoriosa, vítima, doce, forte, alegre, dura, triste, igual e diferente. Muitas faces se projetam e lançam, indiretamente, a certeza de que “a mulher” não existe apesar de se ter um dia só para ela. Em vez disso é composta a imagem de uma pluralidade de personagens femininos que se movimentam em ritmos e sentidos distintos, impossibilitando a construção de uma média que não seja muito arbitrária e excessivamente abstrata e, portanto, falsa.

Em meio àquelas que evidenciam em sua trajetória de vida as possibilidades concretas de uma perspectiva libertária, emergem outras que provam do lado oposto, demonstrado, principalmente, sob forma de denúncia. Mostra-se, assim, um mundo de possibilidades que vai da emancipação à total submissão; das mulheres que se destacam pela inserção laboral em carreiras consideradas exclusivamente masculinas às que são submetidas às estratégias do tráfego de humanos para fins de prostituição em países distantes. Para as primeiras sobram autoconfiança, protagonismo, alegria, realização e, para as segundas, faltam palavras próprias, pois ficam protegidas por técnicas que distorcem imagem e voz junto ao espelho midiático, dando-se, mesmo sem pretender, a impressão de que elas se encontram muito longe, distantes da normalidade social.

Em outro ângulo são registradas mulheres realizadas na família e na profissão em contraposição com aquelas que enfrentam o problema relativo à violência doméstica ou à falta de alternativa ou de respeito no mundo do trabalho. São revisados os problemas associados às intolerâncias expressas no domínio etário, étnico, religioso e tantos outros que marcam conflitos que se consolidam dentro da fronteira da diferença de gênero.

Não obstante a configuração complexa pode-se dizer que há certos avanços que têm se estabelecido de modo mais transversal, especialmente no que concerne ao marco discursivo a propósito das temáticas femininas. Há certos planos que foram, digamos, superadas por formas discursivas mais respeitosas, especialmente quando o orador fala em público. Pois bem, apesar do relativo sucesso no que concerne a este aspecto não se pode dizer que o problema tenha sido superado no que tange à ordem do discurso. É dos primeiros dias de março um exemplo desta permanência.

Foi noticiado amplamente o pronunciamento de Bruno, goleiro do Flamengo, em entrevista concedida a jornalistas no Rio de Janeiro, a propósito do conflito entre o jogador Adriano e sua namorada. Dirigindo-se aos jornalistas o Bruno perguntou “Qual de vocês que é casado nunca brigou com a mulher? Que não discutiu, que não até saiu na mão com a mulher, né cara?”

O camisa 1 do flamengo “entrou em campo” para defender o imperador Adriano e foi com a “melhor das intenções” que abordou os jornalistas com as perguntas antes mencionadas. Pelas próprias formulações fica claro que o goleiro Bruno tinha certeza de que os seus questionamentos acertariam em cheio cabeças e corações dos repórteres os quais se renderiam ao fato de serem iguais a Adriano quanto ao quesito violência contra a mulher. Apostou, também, que após este “exame de consciência” o caso seria visto pelo lado da naturalidade, ou seja, como um comportamento típico do homem, uma ação que, de acordo com suas considerações, deve se circunscrever a cada autor, em sua privacidade. Para afirmar essa posição o goleiro recorre à máxima “em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”, mesmo estando ele se metendo e se dirigindo ao grande público.

O caso cai como uma luva quando se quer mostrar que os avanços culturais, políticos e institucionais relacionados com a emancipação e o respeito à condição da mulher não se mostram suficientes quando a questão se coloca no domínio do cotidiano, no âmbito dos conflitos banais como uma briga de namorados. Neste campo resistem as práticas de dominação representadas por comportamentos e normas sentidos como naturais. E esta naturalidade está tão preservada que foi capaz de levar a um desempenho público tão desastroso como o de Bruno, que pode ser interpretado como o goleiro que marcou um gol contra a luta em favor das mulheres em pleno março de 2010.

Pisando na bola Bruno mostrou, de modo exemplar, a pertinência da luta das mulheres e a necessidade de que esta bandeira seja hasteada para além das datas comemorativas, pois nestes momentos festivos cresce a adesão em torno da causa criando-se até uma impressão de consenso, mas é no miúdo dos dias normais, nas cenas cotidianas que são registrados os desrespeitos, as agressões e a confirmação de valores que relevam aventais todos sujos de ovo e, às vezes, de sangue.

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